OS NAZISTAS NÃO FAZIAM A ESCALA de mortes nos campos de concentração. Quem ia para a câmara de gás era escolhido por grupos de “comandos” cujos membros eram tirados do conjunto dos próprios prisioneiros. Foi assim que judeus escolheram judeus para morrer. Deram mil desculpas para eles mesmos: escolhemos os que iriam morrer de fato, os que estavam mais fracos. Ficavam um pouco decepcionados quando chegava a hora de escolherem a eles próprios. Esse mecanismo perverso talvez tenha reforçado entre os judeus algo que muitos de nós notamos em situação de opressão: a incorporação do opressor.
Terminada a Guerra, com 6 milhões de judeus mortos (quase que sem notar outras minorias também dizimadas), confirmou-se no Tribunal de Nuremberg que o projeto de Hitler incluía, sim, a tal “solução final”. Ou seja, não se tratava de guerra imperialista somente, mas de genocídio premeditado. O nazismo queria levar a uma “depuração racial”, e isso incluía a dizimação daqueles que haviam herdado, em especial na Alemanha, uma fama que ninguém gostaria de carregar. Os judeus carregaram a fama de serem um povo “sem eira nem beira”, um povo de “costumes reprováveis”, aqueles que haviam sugado a Alemanha por conta de sua atividade bancária, oficial e extra oficial. A imagem do judeu usurário nunca deixou de ser um fantasma para toda a Europa, bem mais do que A imagem do “povo que matou Jesus”. O mercador de Veneza, de Shakespeare, sempre esteva na moda, como uma narrativa que dizia respeito a muita gente! Toda essa fama, quando reeditada, surgiu então no horizonte como sendo “antissemitismo”. Qualquer acusação a qualquer judeu, estando ele errado ou certo, passou a ser invalidada pela réplica: é antissemitismo. Até a menção da expressão “ele é judeu” passou a ser tida como problemática: o que se quer dizer com isso? Qual a acusação vai se fazer a partir dessa expressão? Está você querendo começar a falar como Hitler? Os filmes e a literatura fizeram sua parte: criaram para os judeus a carteirinha de “povo oprimido do mundo”.
Essa carteirinha está vencida. Hoje, Netanyahu assina uma nova carteirinha, cedendo o lugar de “povo oprimido do mundo” aos palestinos. O embargo econômico à faixa de Gaza e, agora, o embargo em uma situação de falsa guerra, em que só Israel ataca, deixaram o mundo na eleição de um novo Tribunal de Nuremberg. Nesse tribunal informal, o mundo diz abertamente que Israel age com os palestinos como Hitler agiu com os judeus. Há uma verdade nisso. Os homens do governo de Israel não suportam ouvir isso, mas não respondem.
A guerra é falsa. Pois o mal cometido pelo Hamas, que é algo imperdoável, é um mal pontual. Não tem como se repetir. Israel gasta quase 5% do seu PIB em militarismo. Sua tecnologia de guerra e defesa é impressionante até para experts americanos. O escudo dos céus de Israel nunca deixou de funcionar. O descuido de Israel foi na fronteira, foi nos muros que o governo israelita construiu. Israel arregimentou o Hamas ao deixar 47% da população da faixa de Gaza desempregada, por conta dos embargos. Criou todas as condições para que o jovem palestino caísse no subemprego do militarismo e do terrorismo. Dá para entender isso quando olhamos o Brasil do Rio de Janeiro, onde uma juventude pobre sem esperança é jogada nas mãos de tráfico e da milícia. Israel, agora, ataca. Não tem resposta do Hamas. Os palestinos morrem em suas casas, vítimas do Hamas e de Israel. E os palestinos que fogem para o sul, seguindo ordens de Israel, morrem no caminho, pois Israel, mentirosamente, disse que não atiraria no sul do país, mas está atirando.
Hoje, Netanyahu, pela sede de se manter no poder, usa da guerra para promover o seu genocídio particular. Mas a pergunta que paira no ar não é uma pergunta de caráter político, mas de tonalidade psicopolítica: em que medida essa sanha do Estado de Israel de se vingar e de promover um tipo de genocídio, não se liga à incorporação do opressor? Não estaria lá, na criação dos comandos dos campos de concentração, a centelha que movimentou ressentimentos anteriores, e criou a possibilidade para que Hitler entrasse no corpo de cada judeu que se inscreve na direita política, e que hoje domina o governo israelense?
Há um dado significativo a favor dessa minha hipótese mítica que levanto aqui. Trata-se da legislação que Netanyahu enfiou goela abaixo de Israel, através de uma manobra no Congresso, feita em 2018. Foi nesse ano que Israel deixou de ser um estado capaz de respeitar a história do local, da Palestina, a história de uma região marcada pela pluralidade de povos, religiões, culturas – culturas irmãs! Todos ali são semitas! Israel até então era um lugar de cidadania para todos que ali viviam: palestinos e várias outras comunidades árabes, nascidas em Israel, tinham cidadania. A partir de 2018, Israel veio a conceder cidadania só ao judeu. O direito de sangue e as práticas religiosas passaram a ser o crivo da cidadania. Israel se tornou um “estado judeu”. O nacionalismo vingou. Com ele, o início do pensamento ligado à depuração ressurgiu pelas costas de cada judeu. A partir daí, muitos judeus de direita começaram a dizer abertamente que o povo palestino e o Hamas não tinham mais diferença. O ataque de Israel e o boicote no fornecimento de água até para crianças, é fruto dessa nova face de Israel, a face de Netanyahu.
É interessante notar que, dias antes do conflito explodir no Oriente Médio, gente de direita no Brasil tenha feito artigos falando de como Netanyahu não era um Bolsonaro, e sim um bravo combatente, um herói de guerra, atuante nos feitos que Israelenses matam árabes. Logo depois, veio o conflito. Mas o terreno ideológico da direita de Israel já estava sendo preparado. A ideia básica dos ideólogos da direita de Israel é trazer todo o povo judeu para uma atitude de opressor, exprimindo sem qualquer vergonha a face daqueles que oprimiram os judeus na II Guerra. Cada bomba que Israel joga nas crianças palestinas hoje tem a alma de Hitler em regozijo. Ele triunfou. Ele conseguiu que o oprimido o repetisse. Em cada gole de água negado por Israel às grávidas na faixa de Gaza, há aquela mãozinha nazista.
Paulo Ghiraldelli, filósofo, escritor, professor e jornalista
TINHA UM GRANDE RESPEITO PELOS SEUS COMENTARIOS.
MAS PERCEBO QUE UM GRANDE RANSO DE ESQUERDA VELLHA COMPÕEM SEU CORPO.
ACHO MUITO TERRIVEL FALAR E GENERALIZAR QUE O POVO DE ISRAEL TEM UM DEVIR HITLERISTA.
O POVO DE ISRAEL NADA TEM HAVER COM ESTE GOVERNO NEM OS JUDEUS DA DIASPORA.
O SR ESTA PRESTANDO UM MAL SERVIÇO A COMUNIDADE JUDAICA QUANDO DIZ QUE NOSSO PASSAPORTE DE COITADOS PELO HOLOCUSTO JUDAICOI INSPIRU, QUE COMENTARIO MAIS TRIVIAL.
A SUA REFLEXÃO NÃO VALE SER CONSIDERADA,POIS NÓS SOMOS UM POVO QUE RESISTIMOS O TEMPO TODO APESAR DAS Perseguições QUE OSR ENTENDE DE PERCEGUIÇÃO SE O SR NUNCA E NEM SEUS ANTEPASSADOS TIVERAM QUE FUGIR.
SOU JUDIA PROGRESSISTA E A FAVOR DA EXISTENCIA DE Israel.
QUERO A PAZ ENTRE OS POVOS E NÃO ACUSAR DE NAZISTA OU ANTISEMITA ESTE OU AQUELE.
FICO A SUA ESPERA.
Obrigada, como sempre, explicação impecável
Fantástico e de uma clareza impar raciocinio impecável parabéns
No momento eles são sim. Do que adianta resistir e se elimina a existência do outro. Leiam mais Levinas e nada de Ponde. Ou lembre da frase mais celebre do Paulo Freire.
Estou de acordo contigo mas acredito que os judeus, israelenses decentes deveriam se manifestar contra esse extermínio que está sendo televisionado, comandado por um governo doente e, falido.
Alô professor e turma do site; sugiro a leitura abaixo. Abraços.
https://cultura.uol.com.br/noticias/dw/67121734_por-que-a-seguranca-de-israel-e-razao-de-estado-para-a-alemanha.html
Pare de gritar-Hannah Arendt e Albert Einstein não eram sionistas.
E obrigado ao Ghiraldelli pelo texto brilhante.
Eu falei pra parar de gritar pra essa primeira que escreveu no blog acima,claro.
Anonimo deixa de ser covarde e põe o nome e o sobrenome no comentário. Segundo Leia o texto atentamente e perceba a bobagem que você escreveu sobre ” generalizar um devir nazista sobre todo o povo judeu”
Obrigada professor , como sempre esclarecedor
Fantástico professor!!!!!!
Simplesmente cirúrgico, professor! Parabéns pela coerência e responsabilidade em expressar-se sobre um tema tão importante!
Obrigada pelo comentário não só pontual como verdadeiro.
Muito bom professor. Como sempre, há muita lucidez nas suas explicações.
Claro que é um quadro difícil de ser explicado. É um novelo com mil pontas.
Desta feita, não tem como explicar tudo. Mas tudo que disse nos ajuda a entender o que está acontecendo ali naquele cantinho de mundo que, em toda a sua história, teve poucos momentos de paz.
Têm judeus e israelenses que não concordam com Netanyahu e com outros poderosos irmanados com ele (O poder é cego quando confrontado com a justiça). Que tal o senhor fazer uma reflexão sobre a inércia desses que não concordam mas também não tomam atitudes contra essas aberrações ali em Gaza cometidas pelo Estado de Israel? Quem sabe suas reflexões podem dar inicio a mobilizações, inclusive aqui no Brasil, prá, por exemplo, começar uma negociação para criar o Estado Palestino?
Alberto Ribeiro
Muito Obrigado Professor! Análise para refletir.
Não é possível que depois de milhares de anos de sofrimentos, causados a todas as formas de vida neste planeta, ainda não tenha germinado destas dores, nenhuma consciência capaz de dar-lhes um fim definitivo.
Professor, artigo interessante:
https://cultura.uol.com.br/noticias/dw/67121734_por-que-a-seguranca-de-israel-e-razao-de-estado-para-a-alemanha.html
Obrigada. Importante termos esta forma de pensar registrada em língua portuguesa. Ontem assisti ao telejornal na TV portuguesa. Fiquei estarrecida com a jornalista informando o planejamento de novas bombas e a informação de que cerca de 50 mil pessoas feridas e abrigadas em hospitais são um grande foco desses bombardeios. Ou seja, a solução genocida escrachadamente veiculada nos noticiários da Europa…
Teve uma cidadã judia que ficou tão exasperada com o texto do professor que até erros crassos cometeu em sua resposta. Os judeus aprenderam sim, o Know How dos guetos a que foram confinados na segunda guerra e agora o usam contra os palestinos e quem mais ousam ir contra seus interesses. O que poucos tem comentado é que a onda pró palestinas e anti Israel que se espalha pelo mundo árabe (e ocidental) vai começar a fazer vítimas judias. Em forma de ataques isolados,terrorismo, linchamentos. Quem viver verá. Bibi, o estúpido!
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