Não é difícil ler errado um livro que se baseia em autores que se desconhece. Por isso, o ideólogo erra. Porque sendo ideólogo, está sempre na missão de antes falar pela classe social dominante que por qualquer outro motivo. Precisa estar ativo, produtivo, com uma presença volumosa na mídia. Caso contrário, a classe dominante escolhe logo outro. Isso o desespera.
Pondé adora escrever sobre autores que não conhece. Byung-Chul é um autor que transita com Heidegger, Foucault, Arendt, Agamben, Deleuze e por aí vai. Pondé não conhece essas autores senão de rabo de olho. E olho míope e meio bêbado! Sabendo disso, ele tenta enganar o leitor por meio de uma tática manjada: cita professores que teve, e logo avisa que não só aqui, mas também “Em Paris”.
Parece piada. É a Angélica sendo assediada em uma viagem a Paris. É um Ciro Gomes indo para Paris para fugir do Haddad. É um Jean Wyllys junto com uma Tiburi em auto-exílio em Paris após a eleição de Bolsonaro. As pessoas deveriam parar de fazer isso, e deveriam para de falar isso. Ficou ridículo já faz tempo. Convenhamos, Paris é brega!
Mas Pondé não tinha saída, já que tentou escrever, mais uma vez, do que não sabe e nem tem formação para querer ficar sabendo. Confundiu tudo. O último livro de Byung-Chul Han tem como título “vita contemplativa ou sobre a inatividade”. Pondé acha que o filósofo germano-coreano está falando a respeito de uma filosofia para os ricos, para os que não trabalham. Ele termina o artigo com esse pérola:
“Essa discussão está bem ambientada num país rico e organizado como a Alemanha e similares. Em se tratando do Brasil e similares, essa discussão é chique como uma bolsa Prada. Quem pode conceber uma vida real cotidiana em que a inatividade seja uma escolha possível? Afora jovens das classes altas, quem mais pode sonhar com uma vida que não seja escrava do “páthos da ação”? Ninguém.” (Folha de S. Paulo, 13/08/23)
De que discussão ele fala? Bem, ele reduz o livro todo a um manifesto contra o “pathos da ação”. Todavia, ele não explica corretamente do que se trata, apenas diz que é algo como “positividade”, e que Han condena. Mas, chegando ao final do artigo, no trecho no destaque que escolhi, ele dá mostras que não compreendeu nada do livro! Em nenhum momento Han reduz sua filosofia aos que seriam ricos, muito menos a países mais desenvolvidos industrialmente como a Alemanha. Byung Chul Han seria não um filósofo, mas um aluno de colégio se assim quisesse se lançar a público, como de fato fez em uma série de livros.
Tanto o pobre quanto o rico, tanto o que gasta o maior tempo no trabalho quanto aquele que vive no ócio podem usufruir da filosofia de Byung-Chul Han e, inclusive, adotá-la. O filósofo não está falando de “tempo livre” ou de ter posses para exercer a vadiagem. Ele está falando de uma característica do espírito de época, em um sentido hegeliano. Na modernidade tardia, perdemos nosso envolvimento com a contemplação em um sentido de disposição de alma. Em outras palavras: estamos envoltos na ação-com-finalidade. Desse modo, o brincar da criança, ou o tempo de festa, ficam sem espaço. Ora, isso não depende do império do reino da necessidade sobre o reino da liberdade enquanto um efeito sazonal. Um exemplo simples pode ser útil aqui.
Quando vamos a um baile em uma capital brasileira, na periferia, podemos encontrar mais pessoas brincando sem prévia finalidade que na Alemanha, ou em festas de ricos em São Paulo. Podemos encontrar no futebol de crianças ou no jogo de bolinha de gude que ainda pode vigorar em certos cantões, o elemento lúdico que afasta todo ímpeto para a ação positiva, com finalidade, carregada de competitividade. Estabelece-se um curtir em forma de deleite, que é um dispor-se em uma espécie de banho de Lua. Ninguém fica mais moreno em banho de Lua. Aliás, em certos momentos, é justamente nos lugares em que o espírito de época não alcançou todos os seus desdobramentos que encontramos um respiradouro. É no silêncio do lugar que não ouviu o apito da fábrica e que agora não escuta a digitação ou o som da rede Tiktok que surge o silêncio verdadeiro. Nesse silêncio, os deuses falam.
Esse é o segredo contado no livro de Byung-Chul Han. É um livro de filosofia. Pondé não deveria se meter nisso.
Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista.
VEJA O VÍDEO CORRESPONDENTE: https://youtu.be/igjWZ24habs
Impressionante a forma como Paulo esse tema. Fiquei com vontade conhecer a filosofia de Chul Han. Vejo o território do local silencioso em meu sítio, na Zona Rural de Mata de São João, Bahia. Essa conexão entre pensamento e realidade só vejo Paulo fazer com maestria. Viva a filosofia!
Parabéns professor… já havia lido esse filósofo e gostado de sua linha de pensamento. Essa obra citada agora e comentada pelo Sr. não li, mas admirei sua didática pedagógica explicando.Parabéns.
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