Ser príncipe de filmes clássicos da Disney está em baixa. Há quem anuncie filme de Branca de Neve em que o príncipe nem mais existe. Tudo em nome do “combate ao patriarcado”.(Antes era o “combate ao patriarcado e ao capitalismo”, mas o feminismo de classe média retirou o segundo termo!). De erro em erro o amor romântico sofre revés de astutos ideológicos.
Os contos clássicos reunidos pelos irmãos Grimm foram transformados pelo romantismo do século XX. A maior parte de nós conhece esses contos pela sua formulação romântica, que deu o tom para muito da história cultural da América, especialmente no Pós-Guerra. A ideia do “príncipe encantado” é dessa linha de literatura, que tem um pé fincado em desejos utópicos.
O príncipe desse tipo de conto não tem a ver com o herói medieval, aquele que salva a princesa do Dragão. Os príncipes de Branca de Neve, Cinderela e similares não são grandes partícipes da história. Em geral eles cumprem uma única função. Fechar o conto trazendo a possibilidade de se apresentar o bordão “e foram felizes para sempre”. A utopia do casamento por amor, inaugurado pelos tempos burgueses e românticos põe aí a sua marca. A ideia básica é a quebra com o tempo da aventura, da atribulação e do martírio. Nesse sentido, essas peças romantizadas seguem o Novo Testamento: após o Calvário, Jesus sobe aos Céus e vive eternamente. Não há mais história. O eterno elimina o temporal. A felicidade como Bem Aventurança, como calmaria e completude de corpo e alma se estabelece. A utopia política também se fez com objetivo semelhante.
O príncipe está longe de ser marido ou representante do patriarcado. Enxergar algo assim é um pouco de estreiteza de pensamento. Ele é o elemento que marca o antes e o depois. Ele surge no conto única e exclusivamente para que se saiba que o “viveram felizes para sempre” vai ser posto no final. Este final é um recomeço sem história. É exatamente a ideia de pós-história.
Todos os personagens que participaram das agruras das heroínas se despendem para sempre, acenando para ela e para o príncipe. Disney soube como ninguém aproveitar o polissêmico “The End”. Os anões, os animaizinhos, as fadinhas … Tudo é deixado no mundo. Eles jamais poderão ir junto com o casal. Pois no campo vindouro nada ocorrerá. Não há lugar para eles no principado, em que nenhum sobressalto pode existir. A utopia é a eliminação do sobressalto. É a calmaria da contemplação, do êxtase. É aquilo que os espíritos atormentados temem, pois eles avaliam, erradamente, que seria o tédio. Mas é uma grande mentira que a felicidade eterna é um tédio.
Essa ideia da felicidade como um tédio é ideológica. Ela visa destruir a ideia utópica em nome do realismo e do infortúnio. Os ricos adoram dizer aos pobres que estes é que são felizes, pois podem conquistar as coisas, enquanto que eles, os ricos, são uns coitados que perecem de tédio. Talvez alguns ricos se matem apenas para nos tentar convencer dessa ideologia.
Paulo Ghiraldelli, professor, filósofo, escritor e jornalista