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DEBORAH BIZARRIA EM RITMO DE BOLHA DE FOLHA

O nome é Deborah Bizarria. Ela se apresenta como “economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres”. Tomara que ela não fique triste comigo, mas às vezes sou daqueles que perde a (possível) amiga mas não perde a piada: a identidade da moça é uma bizarria. “Economia comportamental” é uma daquelas coisas que a gente fica sempre achando que vai alimentar mais a palestra de auto-ajuda do que propriamente o nosso cérebro. É bizarro. Sem contar a outra parte da identidade: “coordenadora de Políticas Públicas do Livres”. Isso porque o “Livres” é, todos sabemos, realmente bizarro. Ou vocês não conhecem o Livres?

Ora, olha só como eles se apresentam na internet, por meio do perfil na Wikipédia: “o único movimento político brasileiro que defende a liberdade por inteiro”. As pessoas são livres? Sim, mas só eles, do Livres, são realmente defensores da “liberdade por inteiro”. Não sei se quem pensa assim, como sendo um exclusivista defensor de algo, é realmente defensor da liberdade. Bem, mas vá lá! Vamos dar uma chance! Vamos adiante!

A escolha desse tal de “Livres” é pela economia liberal. E o fundador do movimento é Sérgio Bivar, filho do Luciano Bivar, aquele que vendeu o PSL para que o Bolsonaro pudesse ser candidato. Tudo isso não me cheira algo muito livre, né? Bem, mas consta por aí que o filho se insurgiu contra o pai, deixou o PSL, e então é que nasceu o Livres. Todavia, quando olhamos as pessoas que eles colocam no site deles, vemos que são defensores não da liberdade, mas do liberalismo econômico que, sabemos bem, prega antes de tudo a liberdade de mercado, não liberdade das pessoas. São coisas bem diferentes. Só uma pessoa que tenha pulado o século XIX e o XX para acreditar que liberalismo econômico, que reza na cartilha do Deus Dinheiro, pode achar que irá também servir a um segundo deus, o deus da liberdade de consciência, de expressão. Quem faz o ensino médio, o cursinho pré-vestibular, aprende logo toda a crítica ao liberalismo, na sua parte mais fecunda. A crítica surgiu exatamente por conta do liberalismo ter sido antes de tudo ideologia, e não doutrina. Ele negou a igualdade de oportunidades em favor da apologia da propriedade privada, e com isso tornou Bill Gates mais livre que o João da Silva, que é um jardineiro que conheço, e mais livre que a Deborah Bizarria, que afinal de contas se filiou ao Livres e está pouco livre agora.

Todavia, nada de preconceitos contra a Deborah. Vamos deixar de lado a identidade que ele quis exibir e vamos aos artigos dela.

Fiquei chocado ao ler o que ela escreveu. Aí sim, a liberdade realmente acaba. Li todos os artigos que ela publicou na Folha até agora, e fiquei surpreso, pois encontrei uma pessoa cativa. Ela está presa. Completamente presa na bolha da Folha. “Assine a Folha e fure a bolha”, diz o jornal em sua campanha publicitária recente. Mas, nada disso é verdade. A Folha é que cria uma bolha, tanto é que o público leitor tem reclamado: “ah, virou um panfleto do mercado financeiro”. Deborah segue à risca o comando da bolha. Como ela pode ser livre se ela tem uma ideia só? Entendi: é a liberdade do Livres!

Todos os artigos expressam uma única ideia, francamente de senso comum: as pessoas são dirigidas em suas escolhas por pensamentos prévios que advém de circunstâncias culturais em que vivem. Adoram mais aquilo que, de antemão, já escolheram. Todos os artigos são exposições desse pensamento. Ou seja, Deborah descobriu algo chamado … ideologia! Ou mais exatamente, e de modo mais primitivo, ela descobriu algo que na história das ideias ficamos conhecendo como “os ídolos da tribo”, de Bacon. Será que ela passou um tempo na Europa para aprender duas páginas que estão em Os Pensadores, da Abril Cultural? Ali, nos “ídolos da tribo”, há tudo, ou melhor, há bem mais do que Deborah precisa para dizer o que repetiu em todos os seus artigos. Deborah tem a liberdade do pensamento único, da ideia única, e o que é mais complicado: uma ideia pouco original.

Debora faz questão de a cada artigo expressar essa ideia única com exemplos. Em um dos artigos ela chegou a criar uma pérola: os bolsonaristas tendem a passar pano para Bolsonaro e os lulistas tendem a passar pano para Lula. Sim, ela disse isso! Quem chegaria a tal brilhante conclusão sem a ajuda da “economia comportamental” da Warwick University, no Reino Unido? Heim? Olha aí: pense bem antes de decidir “estudar fora”.

Acho que a família Bizarria deve ser homenageada. Não conheço os membros, mas vendo Deborah sei que pelo menos um da família realmente honra o nome. Deborah existe, e ela é importante para nós, diz aí um outro produtor de bizarrias e bizarrices.

Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor, jornalista (mas também: católico-meio-nas-coxas; ateu não praticante; adepto de guias espirituais talvez inexistentes; devoto de um Daimon socrático – tomara!; adorador de bunda feminina, quando bela).

PS: com o tempo descobrirei mais identidades, hoje tão necessárias né?

1 comentário em “DEBORAH BIZARRIA EM RITMO DE BOLHA DE FOLHA”

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