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SÓ A PARTIR DO TAMANHO DO PAU

As estatísticas colhidas pelo sociólogo Gilles Lipovetsky, usadas em vários de seus livros, o fizeram anunciar algo que boa parte de nós já sabe sobre o sexo: hoje se faz menos sexo que ontem, em todos os níveis sociais, idades e gêneros. E os jovens de hoje tem menos interesse por sexo. Levando em consideração a facilidade com que hoje os encontros são possíveis, o fato dessa discrepância de comportamento ser notada e merecer atenção da sociologia, mostra que o interesse sexual decaiu mesmo. Até mais do que o registrado.

Talvez por isso, pessoas da minha geração, que foram contemporâneos de reichianos como José Ângelo Gaiarsa, que souberam apreciar os textos de Jurandir Freire Costa, que leram com cuidado as teses de Renato Mezan, ícones da psicanálise culta que existiu no Brasil, ficam entediados e decepcionados com os escritos dos jovens sobre sexo, em livros ou jornais. O que antes era próprio apenas de revistas do tipo auto-ajuda, agora ganhou espaço na universidade e no jornalismo que se pretende de bom nível. Fala-se de como a mulher pode gozar ou não, tematiza-se a relação com o grelo, a masturbação e os diversos tipos de consolo, escreve-se sobre pau pequeno e pau grande e na ligação com prazeres femininos. Antes, esse assuntos banais eram banais. Hoje, eles parecem ter de vir à tona de um modo caricaturesco: os que se dedicam parecem pessoas destinadas a se espantar com as babaquices das peças de Nelson Rodrigues.

O número de sites pornôs da Internet e a quantidade de drogas pró-ereção vendida é de tal ordem que não há como notar o amortecimento da sociedade. Os estímulos parecem que têm de se multiplicar em uma sociedade deserotizada, cansada de si mesma, esgotada por conta de sua atomização e de sua continuidade do igual para o igual. Temos uma sociedade de hiperssexualização e de completa deserotização. O sexo foi para um lado, eros foi para outro. O desencontro entre ambos, realizado no contexto do “capitalismo financeiro” e do “capitalismo de plataforma”, e gerenciado pelas formas políticas do neoliberalismo, tem se tornado mais nítido, e fica mais fácil notar que esse contexto tem responsabilidade nesse comportamento. Esse capitalismo é o responsável pela vida atomizada, a vida single, o relacionamento rápido e de busca de descompromisso.

As gerações mais novas chama de “tarados” pessoas que, para os da minha geração, poderiam até ser considerados de pouca libido. Mais interessante é ver o que de fato os mais novos chamam assim, de tarados. Eles falam de genre que observa corpos, que tem prazer com a estética, que se move pela beleza, em especial do corpo feminino. No entanto, não falam assim de quem procura fazer sexo com parceiros diferentes toda semana, e que executam atos sexuais no estilo aprendido com as performances dos pornôs. Um jovem é capaz de chamar de maníaco sexual alguém que deseja uma xota peluda, e ao mesmo tempo não ver nada de anormal se esta mesma pessoa cultivasse o hábito de desejar xotas depiladas. Tudo que sai do campo visual hiperrealista do sexo para entrar para outro campo, também hiperreal, do erotismo, é visto como estranho. O tarado, para os jovens, é o que busca rugosidades, pelos pubianos, suores, conjunções. Os normais são os que podem olhar para as mil bizarrices do sexo pornográfico da Internet e tomá-lo como sexo, mas como algo que não há como fazer igual. Talvez porque seja crime!

Junto desse comportamento, várias religiões emergentes, ligadas ao culto do dinheiro mais do que qualquer outra coisa, impõem uma linguagem pudica. É como se essas religiões percebessem que elas precisam censurar algo em um mundo de completa permissão de imagens, para ainda serem religiões, códigos morais. Censuram a linguagem. É uma censura suportável e que não faz perder fiéis, pois cada fiel é dinheiro. E isso dá ainda maior vazão para a imagem. A Internet é o reino da imagem, e então leva vantagem, ou melhor, se faz valer mais ainda. Daí que as conversas de jornalistas que comentam sexo seja pelo tamanho do pau ou pelo desempenho do grelo. Tudo é imagético. As palavras são desconsideradas. No campo da vida algoritmica o que vale, no âmbito da formação da subjetividade maquínica, que é a subjetividade de nosso tempo, há uma inflação semiótica e uma deflação semântica. Nunca imaginávamos que isso iria ocorrer. O normal seria uma riqueza semiótica ter levado a uma complexidade semântica. Para mais símbolos, deveríamos ter mais significados. Ocorreu algo não previsto. Quanto mais símbolos, que são próprios das máquinas, mais o homem perdeu a necessidade de significados e passou, para se integrar à máquina, a empobrecer sua linguagem. Aí está o núcleo da subjetividade maquínica. O visual do pornô, que obedece a regra básica de exposição máxima – isso é o pornográfico por definição – se regulariza e se normatiza facilmente. O erótico, que é carregado de imaginação, que é necessariamente polissêmico, que é o criador de teias de relações que chamam de volta o corpo segundo uma sirene criativa, perde seu espaço.

Cada vez mais a subjetividade maquínica comporta tanto a imagem do sexo quanto a equação, gráficos e diagramas. Mas não comporta a poesia erótica, o conto erótico, a vida erotizada. O Deus Eros perdeu status quando eros virou o amor como sentimento, e quando este foi acolhido pela química. Então, tudo que tínhamos para sermos mais ricos foi embora. A pobreza de alma se fez reinar junto com a vigência do corpo simplório. Por isso, versos como o de Chico Buarque sobre “a bunda mais sublime deste covil” não remetem mais a nada. Versos como os de Drummond, pondo os seios como estudantes iniciantes perante a experiência dançarina da bunda, não provocam mais alvoroço. Tudo que é da ordem do namoro, ficou proibido à medida que tudo que é da ordem da pornografia ficou não liberado, mas obrigatório.

Os nossos governantes atacam a Internet a todo momento, na medida em que eles mesmo passaram a falar a linguagem maquinal. É como se quisessem se punir pelo fato de terem se perdido algo que não sabem o que é. parece que querem se penitenciar por terem ficado velhos sendo mais jovens que os da minha geração.

Paulo Ghiraldelli, filósofo, escritor, professor e jornalista