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ANTIAMERICANISMO?

Tanto Lygia Maria, uma colunista da Folha de S. Paulo, quanto o ex-juiz Moro, agora senador, acusaram o PT e Lula de “antiamericanismo infantil”, por estarem de namoro com a China. Claro que essas falas se dão no contexto dessa viagem de Lula à China.

Muitas vezes aqui no canal também falamos de antiamericanismo do PT. Mas calma lá! O sentido que usamos aqui nada tem a ver como que Moro e a jornalista usam. Quando falamos em antiamericanismo do PT, não o igualamos ao que Lula diz ou faz. Falamos a partir da mania de certos grupos do PT de tomarem os Estados Unidos como sendo formado por uma população de direita, um lugar sem leis trabalhistas, sem esquerda etc. A velha mania de partidos de esquerda de cultivarem ecos da Guerra Fria. Agora, o ex-juiz e Lygia falam outra coisa, querem apenas fazer auê! Tentam apontar virtudes americanas, antes dos Republicanos e não dos Democratas, que deveriam ser imitadas.

Agora, no caso de Lula, ele de fato atua diferente do PT. Às vezes ele se aproveita do antiamericanismo do PT para uso próprio. Todavia, quando ele se aproxima de países que contrariam a política americana, ele o faz exatamente para tirar vantagem dos Estados Unidos em negociações futuras. Ele fez isso no passado, e se vangloriava e se vangloria de ter conseguido atenção de Bush por conta disso.

De um modo geral, o jogo jogado agora por Lula deverá ser outro, em relação aos Estados Unidos. Agora, com Dilma na presidência do Banco dos Brics, Lula irá de fato ser visto como um chefe de Estado que pode decidir positivamente em favor de adotar moedas que não o dólar, para comércio entre grupos de países. Ora, o dólar é o meio empregado pelos Estados Unidos para promover sanções em outros países. Nesse caso, todo um outro futuro irá se abrir, um futuro que colocará o Brasil como o único país democrático entre os Brics, o único com democracia parecida com a dos americanos, mas arredio ao alinhamento imediato com os Estados Unidos. Uma situação pouco convencional.

O Brasil levará essa democracia adiante, ou os outros países, com regimes pouco democráticos, irão engolir o estilo brasileiro? Essa é a grande questão que poderá nos tirar o sono. No livro Pragmatismo e política, de Richard Rorty, que traduzi para a Martins Fontes em 2005, o filósofo americano fez um prefácio a meu pedido, falando do Brasil. Ele disse que o século XX foi o século americano. Os Estados Unidos dominaram o mundo, consolidaram o capitalismo, mas também a democracia, que sempre deu um contrabalanço ao capitalismo e ajudando a esquerda a reivindicar justiça social. Ele fez votos de que no século XXI, o Brasil e não somente a China pudessem ser protagonistas, pois o Brasil estaria aí mais apto a segurar a bandeira da democracia, em um caminho pelo cenário mundial. O Brasil faria o papel, no século XXI, que os americanos fizeram no século XX. Essa questão de Rorty está agora começando a se delinear e traçar o horizonte do futuro.

Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista