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A PEDAGOGIA EM UMA ÉPOCA CÍNICA

Lemos na imprensa que um colégio de rico recebeu uma reclamação sobre um livro adotado. Pais de alunos não querem livro da Djamula Ribeiro na escola. Os pais atiraram no que viram e acertaram no que não viram. De fato, o livro da Djamula não é algo que se possa indicar para estudante. Não é coisa que deva virar matéria escolar. Não tem status para tal. Perder tempo da juventude em algo que não são os clássicos, parece realmente coisa de quem não tem apreço à vida. É mentira que os jovens tem “o tempo todo do mundo”. Três anos de ensino médio lendo os clássicos traz condições inestimáveis para quem pode realmente se dedicar. Três anos lendo bobagem, faz um bom burro zurrar fácil e não parar mais.

Escolas de ricos, encantadas com modinhas, enfiam goela abaixo de alunos a literatura de quarta categoria de uma Djamula Ribeiro. Escolas e professores tentam se comportar como amigos do povo afro-brasileiro. Bobagem, não são amigos. Podem até se achar amigos, mas já cederam ao que é o mais nocivo ao povo negro: o neoliberalismo associado ao identitarismo. Há gente que adota essa fórmula e se pensa de esquerda. Não é.

Endossam o capitalismo financeiro que massacra os pobres, e muito mais os negros. São a parte que usa os tipos disponíveis para tal. Que tipos? Ora, os tais Preto Zezé, Silvio Alpeida Empáfia e a própria Djamula. Eles são expoentes do projeto neoliberal-identitário.

Esses colégios estão na ondinha de tentar ganhar os pretos. Querem ganhar especialmente os que recebem algum dinheirinho e já começam a pensar com cabeça de classe média. São os que acham que podem ser todos donos do Magazine Luiza, quando são convidados para cursinhos para gerentes “próprios para negros”. São os pretos que vão dizer, às vezes para si mesmos, às vezes de público: “venci mesmo sendo preto, porque estudei e … virei branco”. Esse tipo de ideologia cooptadora impregna a pedagogia hoje banhada no identitarismo. Quer trazer para si os que possuem alguma escolaridade, endossam o projeto neoliberal e, no entanto, não querem ser vistos como os francamente estúpidos pretos bolsonaristas, como um Fernando Holliday ou um Hélio Negão e similares. Eles fazem parte de um grupo que, na cidade de São Paulo, vem sendo chamado de Preto-Folha-De-São-Paulo.

A ideia básica desse tipo de pedagogia é se acreditar como “progressista” à medida que traz o filho do branco rico para conviver com ideias que seriam respeitosas aos pretos. Quais pretos? Os que já se adaptaram à demagogia: “preto, você existe, e é importante para nós”. Importante para nós? Nós quem? Os demagogos que fazem discursos radicaloides. São estes que na prática fazem andar o projeto cínico atual: bancarizar a favela, trazer os mais pobres para a ideia de que todo mundo é empresário, afinal, todo mundo tem capital né? Capital humano! Educação é capital humano! Vejam aí o Silvio Alpeida Empáfia – ele estudou e conseguiu virar um quase branco. Olha aí a Djamula, ela estudou e já está comprando bolsa Prada. Já é capaz até de poder discriminar mulheres trans! E eles dois juntos dão cursos pagos, na Internet, para o “preto oprimido” aprender que ele é oprimido! É isso que essa pedagogia quer promover. O preto que beija Luciano Huck e ganha uma bicicleta, como indenização coletiva, e desculpas no Twitter, por ter sido vítima de racismo. “Racismo estrutural” – ou seja, um racismo que nos faz todos racistas: fomos estruturados assim, não tem jeito então! Nem sabemos como que as leis antirracistas no Brasil surgiram, né? Afinal, todos somos racistas! Essa é a ideologia do Silvio Alpeida Empáfia. Isso se esparrama em estupidez (vai para todo canto: a Márcia Tribufu escreveu que todo o judiciário é fascista, uma vez que ela perdeu na Justiça para o Kim Kataguiri. Ela é tão sábia quanto o Sílvio, inventou o fascismo estrutural! É muito ressentimento para gente tão pequena!).

Esses colégios fariam muito melhor – e não teriam grandes problemas internos – se trouxessem para a mentalidade de ricos (aluno e até pais) os acertos de um gênio da literatura mundial: Machado de Assis. Porventura, aliás, Machado foi um homem negro e quem melhor descreveu a escravidão do povo negro no Rio de Janeiro. Só o conto “Pai contra Mãe” daria um ano de curso. Mas será que um colégio de rico, hoje, com professores relativamente bem pagos, sabe algo de Machado de Assis? Será que esses professores, mesmo formados pela USP, já não são o restolho que produziu um tipo como Rita Von Cabrita (ela ensina o método Paulo Freire de modo errado e não se desculpa mesmo depois de denunciada e corrigida). É uma pergunta, não sei a resposta. Não conheço muitos desses professores. Mas estou propenso a dizer que eles não estão pensando direito no que é educação.

Mas, e do outro lado do mundo. E a escola pública?

Enquanto isso, na escola pública …

Os pobres, e dentre eles a maioria é preta, estão em colégios em que não se pode falar em pedagogia, pois não há aula alguma. O governo Temer, e pelo endosso do governo Bolsonaro, descaracterizou todo o ensino médio com a finalidade de torná-lo mais atrativo. Também aqui a visão neoliberal tem sua pata exposta. A ideia de tornar o ensino médio mais atraente se materializou em uma proposta de política educacional e de pedagogia que produziu exatamente o oposto. As disciplinas necessários ao mundo universitário e à vida foram substituídas por disciplinas de ordem folclórica, tola, pretensamente interessantes. Mesmo que essas disciplinas tivessem professores, ainda assim nada as justificaria no currículo. Vejam as disciplinas que comem pela perna o horário da filosofia, da geografia, da matemática etc.: “O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” e “Arte de morar”. Quer mais? Ainda não caiu da cadeira? Aí vai mais: “Educação Financeira – seja um milionário”. Pergunta: você é professor e sai na rua, indagam sobre sua profissão e você diz: “sou professor de ‘O que rola por aí’ “. Você diz isso? Você diz isso ou fica com vontade de matar o Temer e o Bolsonaro numa forca só?

O resultado desse feito do presidente Temer, de seu ministro da Educação Mendonça de Barros, e do governo Bolsonaro, é assim resumido pela aluna Camila, em entrevista na imprensa: “É uma bagunça porque nem os estudantes nem os professores têm opção de escolher nada. Eu estou fazendo uma disciplina que se chama luz e tecnologia, que envolve o conteúdo de física, mas quem está dando a aula é uma professora de português”. “Essa disciplina não faz o menor sentido, só está tomando o tempo que eu poderia estar aprendendo português com a professora que está ali na sala tendo que dar aula de outra coisa.”

É isso, o realismo é a porta aberta para o cinismo. Este, impera em nossa época.

Paulo Ghiraldelli é filósofo, professor, escritor e jornalista.

3 comentários em “A PEDAGOGIA EM UMA ÉPOCA CÍNICA”

  1. Análise impecável e crítica substancial. Temos a impressão de viver em mundos paralelos definidos pela subjetividade digital e o neoliberalismo.

    Uma pergunta?
    É impensável sugerir ou imaginar uma reforma que aumente o horário escolar do fundamental até o ensino médio em período integral e que aumente também a quantidade de Conservatórios de música integrados com ensino fundamental e médio e nesta atividade, preparar o aluno para o desenvolvimento cognitivo pela pratica artistica musical e recreativa desportiva, permitindo dessa forma melhorar e diversificar o sentido de “mercado de trabalho” nestas direções. Digo isso, pois quem trabalha e sustenta a família precisa ter em mente um sentido de apoio e segurança para deixar seus jovens numa formação digna, útil e transformadora do Estado. Isso permite a competitividade artistica dos jovens em campeonatos deste o tempo do estudo básico. É impossível pensar neste caminho? É ilusório ou utópico?
    Toda a agenda política da educação está centrada, a meu ver, na universidade, mas o repertório, como vemos aqui nesta exemplar publicação, torna-se limitado e contraproducente. Pois a instrução e o ensino é demorado e deve ser continuado desde a tenra infância.
    De qualquer forma agradeço pelo Professor e Filósofo político exercer a missão perene de abrir nossos olhos e provocar-nos um posicionamento mais ativo e de pertencimento.

  2. Obrigado, professor Ghiraldelli pela análise e critica ao sistema pedagógico inconsistente que desvia o jovem de uma formação digna em cidadania.

  3. Uma Djamila Ribeiro sempre será muito melhor que 10 Pondés Bicha Velha.
    COM CERTEZA!!!!!!!!

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