Pular para o conteúdo

SÓ OS MUITO TOLOS NÃO ACREDITAM EM MILAGRES

Milagre é o que é admirável. O latim miraculum nos dá bem essa ideia. Estamos diante de algo que provoca espanto. É interessante notar que filósofos como Platão e Aristóteles se referiram à filosofia como a disposição para o espanto, o admirável. Quem não admira, quem não sabe viver em função do milagre, sabe pouco da filosofia. Talvez não saiba nada de nada! O nome filosofia, nesse caso, se põe no lugar de saber abrangente, que pode conter a ciência e a religião. Somos filósofos, amigos do saber, quando vivemos em função do milagre.

O filósofo, ao menos no sentido tradicional, busca o absoluto. Começa sua tarefa, portanto, de modo pueril. Pois sabe que tantos outros se dedicaram a isso, e se ele também tenta, é porque considera que outros, que foram gigantes, fracassaram. Começa, portanto, com a ingenuidade que é propícia a ser acusada de falta de humildade, ou acusada de ser uma bobagem. Mas a atividade filosófica é assim mesmo. Espantar-se com essa ausência do absoluto, e acreditar que se pode chegar a ele. Acreditar no espanto que deve conduzir ao espanto.

Por isso, o filósofo é sempre alguém amante da utopia. O Lugar Nenhum, u-topos, o seduz. O filósofo ensina toda a humanidade que não há problema colocado que não tenha solução. Ele é aquele que fala que o milagre é tudo o que há para crer.

Um homem está doente, com dores horríveis, talvez à beira da morte. Basta que lhe tirem a dor e ele já começa a fazer planos para o futuro. Quem fez essa observação foi um filósofo que é considerado da linha do pessimismo: Schopenhauer. E ele não escreveu isso para repreender. Escreveu porque ele sabia que é uma verdade, e que sem ela não somos humanos.

Somos inteligentes porque cremos em milagre, ou seja, cremos que os problemas tidos como insolúveis, deverão ser resolvidos. E trabalhamos nisso, esperando ficarmos admirados com o resultado. E de fato, quando alcançamos soluções de problemas que muitos diziam que seriam eternos, temos o prazer de viver o milagre.

Toda a filosofia, a ciência e a religião, esse conjunto de potências do espírito, é infantil, pois são saberes erigidos da não aceitação de que existam problemas insolúveis. Se a morte parece um problema insolúvel, inventamos o cristianismo, e se há quem queira mais, caminha-se todo dia pelas pesquisas em geriatria, enquanto que outros falam no transporte do conteúdo cerebral. Vivemos sábios quando somos utópicos. Infantis. Vivem na burrice, aceitação e mágoa os que vivem no realismo.

Quando alguém diz que há “a vida como ela é”, e o faz como convite a um realismo de resignação, pode acreditar: há aí uma função ideológica, um trabalho de dominação. Ninguém convida alguém para a resignação se não para exercer sobre esse alguém um certo domínio. Domínio moral, intelectual que, enfim, se desdobram em domínio político. Quando você deixa de acreditar em milagre, quando surge o convencimento de que um ato de admirar não é possível, o próximo passo a ser dado é começar a servir, deixar-se explorar. Inicia-se aí a jornada dos tolos.

Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista. Campo Grande, 19/03/2023

1 comentário em “SÓ OS MUITO TOLOS NÃO ACREDITAM EM MILAGRES”

  1. José Ildon Gonçalves da Cruz – Mestre em Educação Escolar, graduado em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores (1993) e em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - UFMG (1992), obtendo Licenciatura Plena em Filosofia em 2005, pelo UNISALESIANO - Centro Universitário Salesiano Auxilium. Tem experiência na área de Filosofia e Educação Especial, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, surdez, educação de surdos, diferença e educação inclusiva, metodologia do ensino de Libras.

    O Filósofo é uma criança… um cachorro…

Não é possível comentar.