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GORDURA, FAVELA E FUMO – ISSO NÃO É BONITO

A NATURALIZAÇÃO DA GORDURA É A MESMA COISA QUE A NATURALIZAÇÃO DA FAVELA E DO FUMO. Gordo não é bonito. Não é saudável. Favela não é um lugar que deva existir. A sociedade deve dar direito de todos morarem sem se amontoar em condições insalubres. Fumo não é estilo, é vício e mata o fumante e os que estão ao lado. Todos os três têm custos sociais para a sociedade muito maiores do que se imagina.

O SUS poderia tratar de doenças que não possuem medidas preventivas, mas gasta com doentes que, com mudanças de hábitos e de moradia, poderiam não ficar doentes. A favela não existindo gastaríamos também menos com doenças que infestam os lugares insalubres. Uma pessoa gorda ou fumante ou favelada deve ser bem tratada, respeitada na sua dignidade. Ninguém falaria contra isso. Mas tem gente que confunde tudo. E acha que se temos que tratar bem um indivíduo, então, para tal, temos que naturalizar e romantizar sua condição de vida. Não temos. Temos que mudar essa condição de vida.

Fumar, comer mal e engordar, viver na favela – nenhuma dessas condições são decisões individuais. Temos de pesar o quanto há de individualidade nessas situações. Certamente há mais possibilidade de responsabilidade individual quando falamos do cigarro, embora menos em relação à comida e bem menos no âmbito da moradia. Mas, em todos os casos, há de se ter uma visão mais abrangente da sociedade, no sentido de que não devemos nos acostumar com condições que nos degradam. São lutas que merecem investimento individual e coletivo.

Muita gente acha que fumar e engordar são questões exclusivamente individuais, que cada um, se quer se prejudicar, pode se prejudicar. Mas não funciona assim. Cada pessoa que deteriora sua vida onera todos os outros financeiramente, especialmente em um sistema como o brasileiro, em que há o SUS. Mas também, cada pessoa que prejudica a sua vida, desconsidera amigos e família, pessoas que a amam, e não gostariam de perdê-las cedo. O anarquista individualista (ANCAP, o anarcocapitalista) pouco liga para a sociedade ou para os que o amam, embora às vezes ele diga o contrário.

Foi difícil, durante muitos anos, convencer as pessoas ricas que morar na favela não é decisão individual. Está difícil de convencer as pessoas, ricas e pobres, que parar de engordar e fumar não é uma decisão que não passe por alguma decisão individual, mas que também envolve leis e lutas coletivas. Em todas essas situações, não devemos ceder.

Nossa sociedade está obesa e onerada por isso. Nossa sociedade ainda é fumante, e agora, fumante de coisas piores que o cigarro comum. Está onerada por isso. Nossa juventude cresce em favelas, sem conhecer água encanada e esgoto. Estamos todos onerados por isso. Se alguém acredita que temos um país bonito, que há uma cultura da tabacaria, e temos que proteger essa cultura, esse alguém envelheceu sem ver a banda passar. Se há alguém que acha que temos uma cultura que tem legitimidade para, diante da censura à gordura, gritar “gordofobia”, esse alguém não conhece o conceito de cultura. Se há alguém que defende a perenidade da fábrica de músicas que enaltecem a favela, esse alguém, pode acreditar, é um conservador – ou talvez um tipo de aproveitador, desses que fazem Expofavela. Talvez seja tudo isso: reacionário e aproveitador.

A indústria do cigarro, da obesidade e da produção de favelas são três braços que alimentam o capitalismo financeiro. Sempre que achamos que estamos vencendo tais indústrias, logo olhamos ao lado e vemos os banqueiros financiando algo que dá vitórias para uma tal indústria. Elas funcionam no mesmo diapasão do ouro que sai da terra indígena, cheio de sangue, e alimenta as joalherias junto com o salário de Giselle Bünchen. Elas funcionam igual ao vinho feito pelo trabalho escravo.

Deveríamos ser mais analíticos. Cada luta por menos crueldade conosco mesmo vale a pena. Cada luta para diminuir sofrimento vale a pena. Hoje, por exemplo, demos um passo naquela velha “Revolução dos Beagles” (lembram? Fiquei contra Neumane, Reinaldo Azevedo e Sherazade naquilo). Pois hoje Lula sancionou mais uma lei contra os que usam animais para experimentos científicos. É assim que funciona a luta da esquerda. É uma luta que não aceita a ideia do “é assim mesmo”. Não é. Nada é “assim mesmo”. Só os realistas dizem “é assim mesmo”. Mas já disse Peter Sloterdijk, os realistas são bandidos.

Paulo Ghiraldelli – professor, filósofo, escritor e jornalista.Mostrar menos

5 comentários em “GORDURA, FAVELA E FUMO – ISSO NÃO É BONITO”

  1. A esta altura, Ghiraldelli, começo a me perguntar o que ocorre com a operacionalização da lógica na estrutura de seu pensamento filosófico. Para desonerar o SUS que, se a princípio têm por obrigação de tratar de qualquer doença, não será desatendendo essa ou aquela doença em que as medidas preventivas deem conta. Afinal, não serão tais procedimentos pelo SUS que farão essas doenças desaparecerem, mas sim o contrário, ou seja, o desaparecimento das favelas e a aplicação de uma orientação alimentar pública saudável que eliminarão essas doenças, que desonerarão o SUS. A beleza é uma questão tão subjetiva e, portanto, nada universal do ponto de vista estético-corpóreo. Simplesmente não existe essa correlação de causa e consequência aqui implicadas em seu texto, ou seja: tudo que é bonito é saudável, ou a sua negação.

  2. Parece-me patético o obeso que quer romantizar a doença, assim como é patética e infantil a claque que, a exemplo de crianças de 8 ou 9 anos anos, aponta o dedo a um deficiente físico ou idoso caçoando de suas limitações. Isso é falta de educação básica que os pais deveriam ter dado, a chamada falta de berço…

  3. “Gordura, favela e fumo”, quem esta disposto a acabar com estas três doenças sociais? Certamente não o grande capital. O Capital se sustenta, e consequentemente gera as três doenças, ao passo que a industrialização cada vez mais feroz dos alimentos, resulta em uma alimentação de péssima qualidade e que dentre as doenças que pode causar esta a obesidade. A favela: O capital esta disposto a perder dinheiro com a especulação imobiliária? Não! E a mão-de-obra barata que esta “confortavelmente” guardada no barracões de favela, que hoje faz as vezes das Senzalas. O fumo: a industria de cigarros foi ou ainda é umas mais lucrativas mundo à fora, eles estão dispostos a abrir mão de seus lucros em prol da saúde? Não!

  4. Sou engenheiro com especialização em Saneamento Ambiental, e uma coisa correta que o professor falou foi a respeito da insalubridade das favelas. O correto seria fazer um processo de desfavelização , dando as pessoas uma vida mais digna, com água encanada, esgoto e também áreas de lazer e presença do estado na cultura da comunidade e no desenvolvimento.
    Essa ideia de romantizar e normalizar a gordice é um absurdo, inevitavelmente problemas de saúde virão.
    Meu pai faleceu de cancêr no pulmão por ter fumado durante anos e por ser sedentário, então fica a dica, parem o que estão fazendo e cuidem da saúde de vocês!

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