O MUNDO DA DESMEDIDA
GABIRU PIOLHO TAMBÉM FOI ABUSADA. Ela não suportou ficar calada, sem uma história para aparecer em cena, como pede a moda. Ao ver celebridades confessando abuso, sendo que todo mundo, ATUALMENTE, para virar gente precisa CONFESSAR que sofreu algum assédio na infância, ela não aguentou. Não se conteve: “também preciso da minha narrativa de desgraça infantil”. Uma loirinha humilhada, não convém? E assim conseguiu sair do ostracismo. Afinal, como leitora de teleprompter em vídeo, já aos 40 anos, não estava mais sendo lembrada. E mais: com seguidores comprados nas já conhecidas “fazendinhas chinesas e indianas de clics”, a loira estava amargando não conseguir mais aparecer. Resultado, bateu forte o #agoravocêsabe! E eis que ela pegou o ChatGPT e ele completou o texto: “você é abusado na infância e você imagina que a culpa é sua”. O próprio ChatGPT ficou com vergonha de apresentar esse texto. E no Ctrl+C e Ctrl+V, tão usado pela Joice Hasselman (mais uma loira!), a Gabiru chegou à sua tentativa de mini orgasmo – jamais alcançado, como sabemos!
Temo pelo dia que essa gente do estilo #agoravcsabe comece a mostrar cicatrizes físicas do abuso e até exames ginecológicos. Acredite: isso não está longe de acontecer. Primeiro, foi a privacidade que foi embora. Agora, a chegou a vez da autoprivacidade. A palavra pudor saiu da praça e até dos dicionários. Foi abolida. Talvez, para entendermos essa coisa toda, tenhamos de seguir uma sugestão de Deleuze: ver o que ocorre com a moeda, e tentar notar se algo ocorre conosco.
Ora, se estamos na era da desmedida do valor, se não sabemos se o valor é dado pelo trabalho ou pela utilidade, se afinal de contas o dinheiro passou a não ser mais algo que tenha ligação com um valor prévio, sendo agora ele próprio valor, em uma situação tautológica, então entramos para a era do incomensurável. No reino da desmedida também o ridículo perde seu metro. E aí o show para ganhar algum peso no mundo da leveza é confessar um caso de infância, algo que faça alguns humanos levar a mão à boca e dizer “oh, tadinha!”. Vale isso, por cinco segundos!
Não vale ser pobre. Pois no mundo regrado por “todos somos empresários”, não há mais pobre, trabalhador. Isso não é mais motivo para se colocar como elemento de recuperação da força de gravidade. Há como peso, como elemento que repõe a gravidade que furamos, o abuso na infância. Trata-se de uma estranha forma de narcisismo. Paulo Ghiraldelli
Há tempo vi uma campanha contra abuso infantil na tv, tratava-se de um cama onde simulava uma relação sexual, a tomada se dava em um ângulo por debaixo da cama, e de repente caia um ursinho de pelúcia desta cama e a peça publicitária terminava com uma frase, que não me lembro bem, mas que dizia ser crime sexo com criança. Embora muito jovem na época, em minha mente veio a seguinte reflexão: até que ponto aquela peça contribuiria ou não contra o assédio, um assediador de criança, será que se comoveria ou se sentia mais exitado com aquilo? Fico imaginando quanto tarados entra neste “agoravocêsabe” só para se exitarem ainda mais. Mais uma palhaçada deste indentitarismo.
Sinceramente, Ghiraldelli, por maior esforço que faça para acomodar sua narrativa dentro de uma perspectiva libertadora ao indivíduo traumatizado, oprimido e que resolva, através de uma confissão pública de seu trauma reelaborá-lo, não se encontra possibilidades. Afinal, sua narrativa, carregada de uma prepotência determinista de qual seja a verdadeira solução aos oprimidos, pressupõe à sua obediência, retirando , assim, o protagonismo do oprimido de se autonortear na solução de seu complexo. Sim, como sugestão de que se fosse com você a saída seria sua proposição, abre-se uma nova perspectiva àqueles que não adiram ‘ à moda ‘ a que se refere; agora, como regra, não existe a menor possibilidade, nem do ponto de vista psicanalítico, nem do ponto de vista da sociologia que, considerando o primeiro como mediador de si mesmo, não contém regras em seu universo.
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