A NOTA DO CENTRO ACADÊMICO da Faculdade de Direito da USP dizendo que não aceita a professora Janaína Paschoal, concursada, na faculdade, seria uma peça cômico-trágica se não tivesse vinda de gente que diz que está estudando as leis do país. Mas, vindo de onde veio, o recado, se fosse emitido em uma noite do passado, deveria nos fazer refletir sobre o que está acontecendo com o ensino brasileiro. Todavia, sendo atual, parece que não diz respeito ao ensino somente, mas a um problema brasileiro em geral, e levando em conta um Brasil bem inserido nos tempos contemporâneos.
Digo isso por uma razão simples. Janaína é deputada estadual e não se elegeu ao cargo de senadora, que pleiteou nas eleições de 2022. Por lei, sendo professora concursada e licenciada, tem de voltar para a sala de aula. Ponto final. Todavia, meu comentário não diz respeito à lei. Alunos de direito que não querem respeitar a lei, muito provavelmente, são alunos do Centro Acadêmico. Não creio que os alunos em geral, que fazem o curso de Direito na USP, estão compactuando com a ideia de falarmos algo como “a lei, ora a lei…”. Então, meu comentário diz respeito ao modo como os alunos justificaram a “proibição” que querem impor. E também ao modo como Janaína respondeu. Em ambos os textos, a condição de ser minoria e pretensamente oprimido aparece. Vejam só o trecho final do texto do Centro Acadêmico:
“Hoje a Faculdade de Direito da USP é dos alunos negros e pobres. Hoje a faculdade é dos defensores da democracia, não dos seus detratores. É por isso mesmo que você não cabe mais aqui. As nossas salas de aula se tornaram grandes demais para você”. (Folha, 06/02/2023) (negrito meu).
Vejam só um trecho da resposta de Janaina:
“Enquanto muitos colegas são filhos e netos de diplomatas e desembargadores, eu sou neta de nordestinos migrantes nordestinos e oriunda da periferia de S. Paulo”. ((Folha, 06/02/2023) (negrito meu).
Os alunos evocaram negros e pobres. Ora, falaram então em minoria e classes. Se é assim, não teriam que incluir indígenas e outras minorias? Ou o critério é empírico?! E uma faculdade pública não é de todos? Como que uma classe social e uma minoria se apropriaram da faculdade, inclusive contra a Constituição? Ora, não é nada disso. Trata-se apenas de uma peça de retórica. Diga-se de passagem: má retórica. Todavia, com um viés: agora, aqui há oprimidos.
Por sua vez, Janaina escorrega e responde cedendo à má retórica. Note-se: ela não é migrante nem filha de migrante, ela é neta! Mas se não bastasse isso, na cidade de São Paulo, ela é oriunda da periferia. Qual? Ora bolas! Para que uma resposta desse tipo?
A ideia básica que percorre todo esse infeliz episódio envolvendo essas pessoas que, enfim, possuem tempo para cultivar seus recalques, é o mote da contemporaneidade: “você existe como oprimido, então é importante para nós, e nós vamos lhe considerar gente”. Você é gente se for vítima! Quer um CPF e um RG? Calma! Quer isso sem ser vítima? Quer ser gente sem ser vítima? Não pode! Primeiro, mostre sua condição de vítima. Caso não tenha porte de vítima, caso não tenha histórico de vítima, diga que sofreu um assédio sexual qualquer na infância. Conte detalhes, de preferência faça isso em um grupo da filha do Temer com a Djamula Ribeiro.
O que Peter Sloterdijk notou é que criamos uma sociedade que, mesmo com pobres e gente trabalhando duro, ela se entende como uma sociedade da leveza, ao se medir com tempos passados. A tecnologia nos deu a uma realidade mais leve, ou ao menos fez assim parecer. Passamos então à “insuportável leveza do ser”. Para não levitarmos, ou ao menos para não perdermos nossa alma em uma nuvem – física ou internética -, elegemos novos pesos. Alguns buscam desesperados novos pesos.
A vitimização geral é, então, uma busca desesperada por uma alguma ontologia. A vitimização em uma “sociedade do espetáculo” é tudo o que precisamos para que o “nós” forneça importância, RG e CPF. Se nada adiantar, que a dívida do cartão de crédito universalizado até na favela, pela CUFA, se faça presente para ajudar. Mas, algum peso tem de ser readquirido. Em uma sociedade assim, figuras da comédia de costumes do cotidiano, como o Centro Acadêmico do Direito da USP e Janaína Paschoal, lutam para se adaptar e passarem a condição de protagonistas. Vão conseguir.
É interessante que esses “novos oprimidos” que se vitimizam não sejam nem um pouco parecidos com aqueles a quem a semântica de Paulo Freire se dirigia ao usar a palavra “oprimido”.
Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista.
Lamentável. Você passou pano para todas as loucuras dela. Eu entendo que você queira estar entretido com o que ela pode te dar e não é algo intelectual. Mas a nítida incapacidade da professora na área em que ela tem diploma pode ser uma indicação de que você sofre do mesmo mal.
É muito barraco, vexatório. O Curso de Direito exige um corpo docente militante na prática jurídica. E a prática jurídica exige conhecimento e experiência dos fatos da vida. Acredito que a Janaína precise de uma ajuda profissional, de um psicólogo ou psiquiatra, para que não sucumba em chorumelas.
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