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DINO NÃO É STALIN, AFINAL STALIN NÃO TINHA BARRIGA!

Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos há um espaço maior para a criação de jurisprudência. Os juízes são mais autônomos, e com uma tradição de mais tempo democrático de atuação. Acabam ao longo dos anos ampliando o quadro historicista que rege a vida americana. Sempre é possível encontrar alguma “nova jurisprudência”, fixada por um parecer não raro mais sábio em algum rincão dos Estados Unidos. Assim, a Constituição é preservada, e a vida do país segue de modo menos engessado do que poderia ocorrer. No Brasil, a ideia é sempre fazer uma PEC, mudar a Constituição, e optar pelo que é o menos sábio, ao sabor dos interesses das classes mais ricas ou ao sabor de interesses momentâneos com clamor popular que, na maior parte dos casos, não é popular, é clamor da imprensa. A Constituição de 1988 está em frangalhos.

Agora, mais uma vez há uma proposta de PEC na mesa do Lula. É a de leis policialescas contra “golpe”. Um fruto da estranha cabeça do ministro da Justiça, o Dino, ex-PCdoB e agora no PSB.

O PT endureceu as leis antiterrorismo no tempo da Dilma, com medo do movimento libertário de 2013. Tomou pela cabeça um Impeachment mesmo assim. Na época, falei para os petistas não chamarem o Impeachment de golpe. Eles sabiam que não podiam fazer isso. Seria um golpe capaz de soar de modo bem estranho aos ouvidos com menos cera. Houve advogado de defesa nisso tudo, que atuou bem. Ao sair derrotada, Dilma aceitou flores! Impeachment é sempre político. Pode-se votar simplesmente por conta de não se gostar do focinho do presidente! Está na Constituição para evitar a saída pelo golpe. Sem contar que, se fosse golpe, por dever de ofício, Dilma tinha de denunciar aquilo e chamar o poder militar para debelar a insurreição. A palavra golpe poderia ser usada, para a retórica política. Lula faz bem isso. Usa na hora certa, ao menos para os seus objetivos. O resto do partido e a militância mais tonta (e ela existe, o petóide existe) faz uso péssimo. Fixar-se no erro conceitual, nunca é bom. Assim, de tanto falar em golpe, o PT inventou o Golpe de 8 de Janeiro de 2023, coisa que a imprensa menos inteligente já vinha fazendo. A imprensa cansou de falar do acampamento do gado vestido com a camiseta da Seleção Brasileira diante dos quarteis. “Golpistas”. Meu Deus! Conferiu-se a um gado de verde amarelo, completamente desorganizado e propenso à baderna, a capacidade de derrubar o governo em um domingo, sem qualquer força militar! Com isso, agora, tenta punir Bolsonaro pelo que ele não fez e não faria (o discurso dúbio de Bolsonaro nunca seria outra coisa, foi instruído por Steve Bannon, que nunca quer golpe), e se esquece dos reais crimes que ele fez e continua fazendo. Mas o importante é cultivar “o golpe”. E baseado nisso, o pacote do Dino na mesa de Lula se apresenta como salvação do Estado de Direito por meio do fim do Estado de Direito.

O pacote tem três propostas e três erros. Criação de mais polícia é erro e é inócuo. Mais gente para pagar e para crescer sob a mesma militarização já existente. Criação de nova legislação de punição de golpistas é bobagem, as leis existentes dão conta do recado. E por fim, o pior: mecanismos de censura que extrapolam a possibilidade de aplicação sem que se exerça o arbítrio. O pior deles é o que faz pressão sobre as plataformas digitais. Quer que as plataformas façam relatórios para o governo, mostrando que tentaram diminuir “o conteúdo golpista” das redes. O entendimento do que é conteúdo golpista é bizarro: por exemplo, o indivíduo que fomenta discórdia entre Forças Armadas e Poderes da República vira golpista, e tem de ser expurgado das redes sociais.

Dois inconvenientes: 1) metade da cultura de esquerda, que faz filmes, por exemplo, de Marighella, estaria enquadrada como gente que faz propaganda de indisposição entre Poderes da República e Forças Armadas. E daí por diante! 2) as plataformas, para cumprir tal ordem, vão ampliar ainda mais a algoritmização, e então terminarão por impor a forma burra de cerceamento, que é a de identificar palavras. O Youtube já vem fazendo isso, é piorou bem sua atuação como plataforma. Piorou para todos, os que fazem conteúdo e os que usam dela para fazer comerciais. A censura é o modo burro de criar uma Inteligência Artificial mais estúpida do que ela já é e pode ser.

Dino e o PT, salvo raríssimas exceções que confirmam a regra, não entendem o mundo da economia que emergiu nos últimos anos, o do capitalismo de plataforma. Não percebem que a contradição básica apontada por Marx continua vigente: forças produtivas versus relações de produção. Vou ser bem didático. O Youtube precisa do General Intellect (a inteligência difusa) livre, capaz de criar, e com isso fazer as forças produtivas, hoje movidas pela inteligência humana associada às máquinas de modo novo, avançarem ao desconhecido. Ao mesmo tempo, o Youtube precisa cercear a inteligência livre, para ficar com o copyright e aumentar monopólios e, assim, pegar a mais valia social. Isso cria uma baixa geral na qualidade do Youtube, após algum período. Só isso já estraga bem a plataforma, e, inclusive, a médio prazo, a faz perder dinheiro. A proposta de Dino vem no sentido de dificultar ainda mais as forças produtivas. Então, o Youtube irá revidar encontrando a saída mais fácil, para cumprir a entrega de relatório ao Mini Grande Timoneiro: aumentar o poder dos algoritmos e tornar a censura mais burra do que ela já é. O algoritmo funcionará a todo vapor, fazendo em tempo quase assustador aquilo que os censores de nossa Ditadura Militar faziam na mão, e que deu origem a inúmeras piadas. Aliás, se há uma coisa que cresceu na URSS, além das filas e dos presos políticos, foram as piadas sobre a censura.

Ao fim e ao cabo, as plataformas virtuais se inviabilizarão, com a ajuda delas próprias e de … Dino! E para terminar o período, Dino seguirá os passos do bolsonarismo. Este, em seu fim, fez o que eu disse, em 2018, que faria: cada membro do rebanho foi atacando o outro por não considerar o outro suficientemente bolsonarista. Bolsonaro mesmo ficou calado quando viu que ele não era mais bolsonarista que a vândala Zambelli. Dino irá dar um tiro na cabeça gritando “sou ou não sou o mais democrata dos democratas, afinal, fui eu quem criou a proteção máxima à democracia”. Fará isso justamente no dia em que as plataformas excluírem o nome dele, e isto ocorrerá quando ele próprio, olhando no espelho, fizer a exclamação: “nossa, sou um gordo”. A plataforma o excluirá, pois ela identificará não gordofobia, mas falta de terminologia correta, pois ela terá sido programada para dizer sempre a palavra Dino associada ao termo “Grande Democrata Lulista”. Tendo “gordo” substituído a expressão programada, Dino será persona non grata do .. Regime – e sabe-se lá que Regime será esse!

Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, jornalista e escritor

1 comentário em “DINO NÃO É STALIN, AFINAL STALIN NÃO TINHA BARRIGA!”

  1. Acho válido criticar Flávio Dino e seu projeto Antigolpista, mas acho válido também debater o projeto de lei de forma clara e pública, pois a normativa pode ser alterada ou mesmo melhorada. Acredito que o crime do financiador existe, porém com o projeto Antigolpista a pena vai ser maior. Quanto à alegada censura relacionada à animosidade das Forças Armadas, eu acho interessante pelo menos levar esse debate ao Congresso.

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