OS BOLSONARISTAS JÁ VOLTARAM PRÁ CASA? Há os presos, e há os que já voltaram. Há muitos que não estiveram em Brasília, mas comungam os objetivos dos que foram até lá para o vandalismo do 8 de janeiro. São pessoas que, se você as escuta, irá se espantar com o discurso. É o discurso da ordem, da obediência, do respeito etc. Essas mesmas pessoas, no entanto, olham com amor ou no mínimo condescendência para o vandalismo dos que foram até o Palácio do Planalto no quebra-quebra. Às vezes se escondem. No entanto, não é raro vê-las defender o quebra-quebra e, ao mesmo tempo, fazer a apologia do ensino no estilo do “abaixa a cabeça”, contido no projeto de Bolsonaro com as escolas militares.
Essas pessoas que votaram no Bolsonaro, não raro acharam lindo um discurso do Capitão Covarde falando da necessidade de “disciplina” para crianças e jovens. Endossaram o projeto das escolas militares porque elas mesmas não tinham e ainda não têm a mínima noção do que é a disciplina. A matemática, a física, a química, a filosofia, a história etc. são disciplinas. Elas disciplinam a mente, elas educam comportamentos, elas deixam o jovem disciplinado no seu pensar, para enfrentar os enigmas e problemas da natureza e da vida social. A disciplina não é dada pelo marchar, pela saudação militar, pelo ficar quieto, pela obediência cega. Os bolsonaristas acreditam que a disciplina é isto, a amarração do corpo, essas atitudes simplórias, e tomam como contraponto a educação crítica, que imaginam que é a bagunça. Mas, na ação deles, eles mostraram que são adeptos da bagunça. De fato, não sabem o que é disciplina.
Na Folha de S. Paulo, o ideólogo do Partido Novo e do MBL, que tanto fez pelo bolsonarismo, advogou mais uma vez (23/01/2023) a educação que, aparentemente, é inofensivamente liberal conservadora, feita para gerar o “cidadão de bem”. Exige que as crianças fiquem quietas. Faz preceitos moralistóides. Parece boa coisa para o senso comum relativamente conservador, mas é apenas um modo de evitar a educação crítica.
São tipos como Pondé que se aninham na mídia para receber os bolsonaristas de volta para casa. Ficam à espreita, para retomar a doutrinação. Eis o que ele defende, por meio da propaganda de um autor reacionário (visconde Olivier de Kersauson de Pennendreff), desses que ele saca de sua lista de apologias solitárias:
“Desde 1968, ninguém mais quer educar criança nenhuma. Educar uma criança, ao contrário do que as diatribes modernas pregam, é ensiná-los a comer à mesa, respeitar os mais velhos, não interromper quando outras pessoas estão falando, tomar banho, arrumar suas coisas. Desde 1968 impera uma total irresponsabilidade, preguiça e modismos no terreno da educação escolar e familiar.” (Outros mares. Folha, 23/01/2023)
Ora, eu faria bem diferente. Não ensinaria a criança comer sem antes ensiná-la que muitas crianças não têm o que comer, e nem mesa possuem. Não as ensinaria a respeitar os mais velhos, mas respeitar os mais velhos que merecem – um Hitler velho a gente não respeita. Não ensinaria elas se calarem quando outros estão falando, pois muitos que falam dão palavras de ordem como “vamos quebrar tudo no Planalto” ou “vamos deixar os indígenas sem terra” ou “vamos andar armados”. Não ensinaria a tomar banho sem antes dizer para elas que há crianças que, no frio, não possuem um chuveiro com água quente. Não diria para arrumar suas coisas antes de dizer que muitas crianças não possuem nada que se possa chamar de “suas coisas”. Essa é a educação de 68 que defendo, contra ratazanas ideológicas como Pondé. Isso que faço se chama pedagogia crítica. O que ele faz se chama pedagogia para o neofascismo.
Ele termina, como sempre, amaldiçoando tudo: “A verdade fundamental da natureza humana é o terror.” Não preciso rebater isso. Todos os filósofos contemporâneos rebatem, insistindo que o homem é um ser cuja natureza é não ter natureza, e por isso ele é educável. Educável para melhor.
Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor, escritor e jornalista.
Maravilhoso texto, professor!
A educação de que todos deveriam ter. Não essa coisa bolsonariana.
Muito bom professor!
Professor, o que você pensa sobre a linguagem neutra? E sobre órgãos do governo empregá-la, como foi o caso recente da Agência Brasil?
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