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O MERCADO É DE DIREITA. NÃO É DIFÍCIL ENTENDER ISSO, GARANTO!

O QUE É O MERCADO? A FOLHA DE S. PAULO quer, pelo seus editorais mais recentes, se tornar um panfleto sindical da Faria Lima. Mas alguns jornalistas da Folha são tão fracos quanto os seus editorialistas. Já falei do Vinícius Torres Freire. Agora, apareceu outro, o moço Marcos de Vasconcelos (com o artigo “O mercado não fica triste ou feliz, apenas compra e vende”.). Isso sem contar os economistas que escreveram a carta ao Lula! Chateados por verem Pérsio Arida na equipe de transição, e eles de fora, Bacha, Armínio Fraga e Malan colocaram de público algo no estilo Thatcher, quando ela dizia, para endossar o neoliberalismo: “não há alternativas”. Só os três, defendendo o mercado financeiro, podem nos dar o caminho! Fantástico pedantismo!

Todos eles têm uma tese básica, sobre a qual tudo mais se faz. É uma tese que nos provoca desconfiança: o mercado é neutro.

Ora, o mercado não é simplesmente números que se impõem sobre a cabeça dos investidores. Nem o positivismo mais rasteiro e pueril diria isso. Na verdade, o mercado não funciona sem a percepção das pessoas. Hoje em dia essas percepções estão dadas e dirigidas segundo ordens algorítmicas, mas que, enfim, não são inovadoras. Elas ainda refletem os temores das pessoas que, enfim, transmitem seus humores e os cristalizam nas ordens algorítmicas. Essas percepções se fazem não pela atuação do “homem econômico”, uma idealização do homem racional que agiria em função de minimizar perdas e maximizar ganhos. Elas se fazem pelo homem cuja racionalidade está eivada pela sua compreensão do mundo, e nisso cabe os seus temores. Isso, no entanto, precisa ser analisado de mais de perto.

Quando Bolsonaro, na direita, fala algo que possa prejudicar investimentos, os investidores (e seus algoritmos que cristalizam seus temores a priori) não reagem sempre assustados. Às vezes sim e vezes não. Pois os investidores não temem tanto Bolsonaro. Os investidores são os ricos, possuem em geral pensamento de direita, e não temem Bolsonaro. No limite, acreditam que Bolsonaro nunca irá continuamente desfavorecer os ricos. Isso é diferente quando é Lula quem fala – agora, sendo ele o futuro governante. Se Lula, na esquerda, fala algo que possa vir a PARECER um prejuízo, sendo ou não, o mercado tende a reagir e tenta fugir da situação que pensa que irá se verificar. São os ricos, e tudo que vem da esquerda não é interpretado racionalmente, mas assumido como algo que irá se perpetuar como regra contra ganhos imediatos, contra o que eles, os ricos, querem.

O mercado é uma reação dos ricos. Ele não é socializado, não representa uma percepção que seria a percepção do brasileiro comum. O eleitorado se dividiu. Os ricos não se dividiram. Eles jogaram o dinheiro na conta do Bolsonaro e de candidatos bolsonaristas. O mercado é lugar de compra e venda de ações, títulos, obrigações, derivativos, mas esses negócios não são feitos pelo homem comum. Os grandes investidores, que criam as tendências do mercado, são de direita. E mesmo os fundos de pensão de trabalhadores, são administrados por gente que seguem os analistas de mercados, os conselheiros, e estes pensam tacanhamente igual aos ricos. Ou seja, pensam segundo a ótica do curto prazo.

Dentre os ricos, claro, há os mais espertos. Os maiores e mais espertos, percebem os medos da média dos investidores, e eles mesmos colaboram com o início de movimentos bruscos, a partir da fala de gente da esquerda, para fazer todos correrem e venderem seus papeis. Segundos depois, esses grandes investidores voltam e compram tudo. Compram os títulos que eles venderam e os títulos de outros, e no preço da baixa. Terminada algumas horas, os grandes investidores ficaram mais ricos. São tão ideológicos quanto os outros, mas são espertos para saberem que ideologia é uma forma de medo, e que dá para se aproveitar do medo do vizinho. O mercado é isso.

Não entender isso é não entender absolutamente nada do mercado e talvez nada de nada. Aliás, é não ouvir o que um grande investidor, ele mesmo, diz sobre como age. Warren Buffett diz que o segredo dele é focar nos fundamentos de uma empresa, e não nas oscilações do mercado. Mas ele próprio também diz, em escritos menos populares, que ele procura ver as ondas (e quase confessa que as cria), entrar nelas e sair antes que outros.

Contra essa tese acima, que o mercado teme a fala de Lula e não a de Bolsonaro, há os que argumentam que o mercado caiu também com falas de Bolsonaro. Sim, é verdade. Mas, aí, temos de ver qual fala de Bolsonaro fez a queda. Foram todas as falas no sentido de intervir na economia para baixar preço de alguma coisa, com o objertivo de atender seu eleitorado mais pobre. O mercado teve a mesma reação que tem uma pessoa de direita, neoliberal, que não aceita qualquer participação do estado na economia.

Dizer que o mercado pensa é dizer que estamos vendo o mercado pelo pensamento sociológico, constituído a partir de Marx, Durkheim e Weber, e não pela ótica do pensamento pré-sociológico dos séculos XVII e XVIII, que via o homem exclusivamente como indivíduo pensante consciente, tomando decisões conscientes. Esse pensamento tinha dificuldade de entender aquilo que, com Hegel, veio a se constituir como atuação do “espírito”. Espírito é algo que uma geração, um povo, uma nação, uma classe social, uma instituição podem apresentar. A sociologia nasceu com essa perspectiva: falar de ações de atores coletivos que se revelam pelos seus resultados, e não pelo que pensam individualmente seus membros. O mercado como instituição agencia seus integrantes a agirem de modo que o resultado é a fuga quando se escutam que haverá mais dívida do estado. O espírito do mercado é o de fuga diante de toda frase que se sugere não neoliberal.

Falar em mais dívida e avisar ao mercado que mais ações estarão na praça, que então quem possui títulos do governo terão seus papeis menos valorizados (pois haverá mais papel e porque pode haver insolvência da dívida), então, é o mesmo que dizer: fujam e só reapareçam se o governo, por conta do risco maior, aumentar os juros. Essa atitude de fuga é só aparentemente racional, no fundo ela é irracional. Pois a dívida não necessariamente trará malefícios para a economia do país. Pode ser uma dívida que favoreça os pobres a consumirem mais, então proporcionarem maior arrecadação ao governo, driblando a insolvência da dívida. Pode ser uma dívida que aposte em educação e saúde, proporcionando trabalhadores mais aptos e, assim, aumento da produtividade. Com isso, se favorece o país, os produtores e, a médio prazo, o mercado financeiro.

O mercado faz a debandada porque ele funciona segundo a perspectiva de curto prazo e segundo a especulação, pois só com ela pode haver subida e descida dos valores dos papeis, e só com esta oscilação há de fato grandes ganhos no mercado.

Quando encaramos o mercado assim, sabemos que ele vai agir pela especulação, no pensamento de curto prazo e, enfim, segundo o ideário neoliberal, ou seja, de direita.

Paulo Ghiraldelli

3 comentários em “O MERCADO É DE DIREITA. NÃO É DIFÍCIL ENTENDER ISSO, GARANTO!”

  1. Leitura fácil e gostosa,eu leiga de ” carteinha” compreendi perfeitamente! Professor tô cada vez mais encantada com sua didática! Parabéns 👏👏👏👏👏

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