Pular para o conteúdo

O Índio do buraco. O índio do engradado

TALVEZ um dia, em algum colégio da elite paulista, algum professor afinado com a direção da escola irá contar a história dos indígenas. Deverá falar do “índio do buraco”. Informado pelo sábio da direita atual, Luiz Felipe Pondé, ele dirá aos alunos que o “índio do buraco” tinha tal nome porque morava num buraco. Começo a não duvidar que essa lição possa ocorrer. Talvez Leandro Karnal transfira essa informação para uma palestra, proferida em seu tom de seminarista fujão, e, então, ela venha a figurar nos livros dos colégios militares. Não é de todo impossível ver isso ocorrendo.

Mas o último do território Tanaru, em Rondônia, agora morto, ganhou essa denominação figurativa por conta de que toda casa que fazia tinha um buraco no meio. Jamais se soube a razão. Não se saberá. Aliás, nenhum dado de sua cultura nos é bem esclarecido. Morreu com ele, agora, tudo que foi de sua tribo, tudo que foi de seu mundo. Apocalipse. Sim, ele viu de fato o famoso “dia seguinte”.

Por que ele vivia escondido? Ora, poderia ele agir de outro modo? Em uma noite tétrica, madeireiros adentram no pátio de sua tribo e eliminaram todos. Só ele conseguiu escapar, e desesperado sumiu pela mata. Viveu vinte anos assim, completamente sozinho. Recentemente, seu corpo foi encontrado na rede. Não morreu sem saber que iria morrer. Estava coberto de folhas e penas de arara. Quem sabe se na sua mitologia, ele não esperava ganhar asas após a morte? Nunca saberemos. Não existe mais nenhum dos seus, nada. Restaria então seu corpo? Onde está?

Pela pura perversidade, o presidente da Funai, a mando de Jair Bolsonaro, esquartejou o corpo e colocou os restos em uma caixa de madeira. Na verdade, o corpo está em um engradado. Mandou para “pesquisa”. E lá está a caixa de volta, e o indígena insepulto. Estariam os homens do atual governo com medo de que, colocado em um túmulo, o lugar se torne campo de peregrinação daqueles que ainda não se conformaram com o caráter malévolo de nossa civilização? Não duvido, porém, que os pedaços do indígena estejam insepultos por conta da burocracia e descaso. Mas, pode ser que não! Creio ser mais fácil acreditar que há aí o dedo da mente malévola de Bolsonaro. Afinal, ele está cumprindo o que prometeu em campanha, em 2018, e que foi referendado por milhões de votos. Ele disse que não daria nenhuma terra para índios. E está cumprindo o prometido. Índio não é para ter terra nem mesmo morto, nem mesmo aos pedaços.

Tiradentes se revoltou contra o colonizador que nos tirava o ouro. Foi despedaçado e seus restos foram pendurados na estrada. O colonizador continua picando nossas partes. Bolsonaro representa o colonizador, e Steve Bannon, mentor de Trump e do mandatário brasileiro, é o pior deles. Caso a campanha política atual fosse no clima da de 2018, poderíamos ver esse indígena com seus pedaços pendurados na estrada, e os tios do pavê, que dão apoio a Bolsonaro, passariam ali e, cada um com seu isqueiro, assaria um pedaço para um churrasco com banana. Não falo metaforicamente. Essa gente é capaz disso.

O índio do buraco. O Brasil tem em seu coração, na verdade, um grande buraco. O vazio. A direita política instaurou o completo vazio de sentimentos no peito da nação.

Paulo Ghiraldelli

3 comentários em “O Índio do buraco. O índio do engradado”

  1. O que aconteceu a este indígena me deixa extremamente triste, pois este perdeu tudo pela ganância do homem branco, quer dizer nós, e por último não permitiram, nossos governantes eleitos, que ele fosse sepultado na terra que rra dele.
    Que direito temos de deixar que a história deste indígena e de sua aldeia que perderam tudo que tinham inclusive suas vidas, e não nos sentimos indignados e irados com os que fizeram isto é os que permitiram.

  2. Ótimo artigo, triste, insano, mas necessário publicar para que pelo menos saibam o que fazem com os índios, não só hoje, a mais de 500 anos.

Não é possível comentar.