EM “A VIDA DOS OUTROS” (2006 Florian Henckel von Donnersmarck), um fantástico filme alemão que conta os últimos dias do regime comunista na Alemanha Oriental, há uma fala que se tornou inesquecível para mim. Após a queda do regime, o personagem principal, um escritor, se encontra com o ex-ministro da Cultura, em um teatro. Então, vendo o homem já sem poder, e se lembrando de quão crápula e insignificante ele era, e ao mesmo tempo mirando o presente, o escritor lhe diz: “como que pudemos ser governados por gente como você?”
Talvez essa fala devesse ser aplicada a alguém que venha encontrar Bolsonaro. Despido do cargo, que ele, afinal, tentou destruir junto com a República, Bolsonaro agora começa a se parecer com o que ele era como deputado, e como ele realmente é: um abobalhado, um mesquinho, um covarde tosco, um molecão irresponsável. Sem o cargo, sem poder, e com o seu gado fazendo micagem ridícula nas ruas, muitos de nós irão se espantar de um dia ter votado nele. Mas o pior não é ter votado, o pior é não ter votado e, no entanto, lhe conferido poder de “dar um golpe” (no Brasil, tudo é golpe, República é golpe, Impeachment de Dilma, mas não de Collor, é golpe etc).
Desde o início do governo Bolsonaro eu invoquei o filme “A vida dos outros” e o episódio citado, exatamente porque eu sabia que, agora, poderíamos fazer isso que estamos fazendo, encaixar Bolsonaro no seu bermudão ridículo e vê-lo como igual a um dos bolsonaristas de rua.
Energúmenos da esquerda que não querem refletir fizeram um papel ridículo ao dar a Bolsonaro a capacidade fictícia de golpista. Ficaram tão tontos quanto ele.
Para haver golpe, mesmo o golpe moderninho, sem tanques na rua, que muitos advogam que agora é moda, é necessário no mínimo quatro ingredientes: classes dominantes fora do governo e insatisfeitas; exército a favor do golpe e descontente com quebra de hierarquia interna; um coordenador de ações inteligente, batalhador e com alguma coragem; por fim, uma capacidade de articular a ação em segredo. Nada disso se fez presente na situação brasileira ou na figura de Bolsonaro. Nunca! Nem em cheiro! Mas a ideia de golpe vingou na imprensa juvenil, nos intelectuais burraldos e, de certo modo, acabou pegando até gente que eu imaginava inteligente. Alguns do PT viram em Bolsonaro um sujeito autoritário, e que tinha de dar golpe. Erraram no diagnóstico ao vincularem sua figura a 1964. Ele nunca esteve vinculado a 1964 de forma única e absoluta, apenas esteve vinculado a teses aprendidas na AMAN, a Geopolítica do Golbery e a narrativa do inimigo interno. Após o segundo mandado de deputado, isso tudo ficou como cristalização juvenil.
No começo do mandato de deputado, sem identidade, Bolsonaro se vinculou ao regime de 1964, por não ter outra coisa a dizer. Mas ele já era um expulso do Exército, e amargava isso como derrotado, como fracassado, como ressentido. Depois, com esposa bandidona, a segunda mulher (as outras eram só bandidinhas), Bolsonaro passou a roubar mais que no primeiro mandato. Quando os filhos cresceram, formou um quadrilhinha e se articulou ao milicianismo e, de tabela, ao tráfico, que não sobrevive sem a milícia. No terceiro mandato, já era um sujeito que bebia na fonte de Steve Bannon copiado por Olavo. Por isso foi fácil aceitar as bobagens de Paulo Guedes. O neoliberalismo de Guedes tinha arroubos que ele gostava! E Guedes tinha tese contra a Constituição de 1988, que fazia sentido para ele, então se transformando em anarcocapitalista doidão.
Bolsonaro cresceu na medida que conseguiu ser, na sua ambiguidade, um aglutinador de neofascismo, neoliberalismo e anarcocapitalismo. Cresceu na medida em que tipos como Pondé divulgavam suas própria teses pessimistas, típicas de pseudo-intelectual, na classe média. Não foram poucos que fizeram também isso, só que de forma menos nojenta que Pondé. Enfim, o impeachment de Dilma e o identitarismo da esquerda (que, aliás, ninguém suporta), junto com as denúncias de corrupção (verdadeiras e falsas), fez Bolsonaro crescer como “o mito”, no vagalhão do reacionarismo internacional.
No entanto, seu crescimento maior se deu pelas mãos dos que, contra ele, começaram a cantar para maluco dançar. Ela não governou, desgovernou. Mas uma boa parte da oposição a ele o endeusou com a fama de golpista, ditador, autoritário, macho e… enfim, mito! Tão mito quanto dizia dele o seu gado.
Agora, ainda há debilóides na imprensa falando que existem golpistas na rua. Pessoas limítrofes orando diante dos quarteis, onde nenhum militar sai para recebê-las, são chamadas de golpistas. Não são, são apenas tontos baderneiros. E assim, mesmo Bolsonaro agora se mostrando que ele é um nada, alguns na esquerda permanecem lhe dando status. Um homem que iria dar golpe se não fosse a … Carta Pela Democracia! Meu Deus! Bolsonaro nunca conseguiu sequer controlar o ímpeto das esposas por outros homens. Corno não dá golpe, é golpeado! Sempre!
O melhor é tornar Bolsonaro inelegível e depois meter-lhe processos até ele ficar reduzido, perante todos, ao que ele é. Um sujeito que vai na TV e diz que ajudou no combate à guerrilha de Mariguela, quando na verdade ele nem idade tinha para jogar bolinha de gude na rua, e ainda assim ser levado a sério, é o fim do mundo. Mas foi levado a sério. Por muitos. Há sociólogo que nunca vai conseguir entender a sociologia do golpe. Sempre vai haver Safatles em algum lugar, comendo capim.
Deveríamos aprender com Foucault que a frase “saber é poder”, de Bacon, é menos válida que a frase “o lugar do poder confere saber”. Mas muitos ainda não aprenderam isso.
Paulo Ghiraldelli
Professor, o que ocorre é que determinadas pessoas não conseguem diferenciar o Brasil de 1964 que havia duas correntes de pensamentos em disputa (capitalismo verso comunismo), Com a atual situação que é a globalização da economia. Ou seja, como o senhor mesmo diz: “O capitalismo que já está enraizado não tolera fenômenos que o venha atrapalhar”.
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