O mundo é uma desgraça e você tem que sofrer. Há pessoas que acreditam que mantendo essa frase em uma faixa amarrada na testa, podem ostentar o título de filósofo. Mas o pessimismo banal não é filosofia, é apenas covardia e, de certo modo, ignorância.
O colunista da Folha (20/08/22) decretou: o autismo é dor e sofrimento. E mais: agora, pais querem fazer seus filhos autistas parecerem dádivas. E o “jênio” continua: a sociedade capitalista está transformando tudo em comodities (oh!) e fez do comportamento autista uma coqueluche do bem. E o inteligentão arremata com uma frase que ele tenta dizer que não é ofensiva, avisando de antemão que é irônica, mas, na verdade, ela não é irônica. É sarcástica e carregada de preconceitos bolsonaroides: “Talvez hoje valha mais do que um filho trans no mercado das vanguardas de comportamento”.
Na sequência dessa frase, ele tenta se redimir, e para tentar confirmar que era ironia (Bolsonaro diria: estou usando figura de linguagem!), ele escreve: “Como um sofrimento humano gigantesco pode se transformar numa commodity hype de comportamento?”
No final do artigo, após vociferar contra tudo e todos que não fracassaram como ele, Pondé se indigna com a revolta de pessoas diante de alguém, faro ocorrido, segundo ele, em palestra, que associou autismo à rejeição da criança pela mãe, em especial as que se dedicam a amar os filhos autistas.
Há dois pontos a se notar nisso tudo que Pondé diz.
Primeiro: o autismo não está “bombando”, como ele conta no jornal (ele põe a frase na boca de um profissional de saúde, mas é mentira, a frase é dele mesmo, nenhum profisssional de saúde diz ou diria isso). Os diagnósticos realmente aumentaram após as crianças, em especial de classe média, ficarem sob a tutela de celulares durante a sindemia de Covid. Mas os diagnósticos já vinham crescendo, antes, porque a ciência andou se dedicando ao assunto (como ocorre com o Alzheimer) por ser um campo de incógnitas. E também porque o conceito de autismo, como é o que ocorre com várias outras condições tomadas como patológicas, se modificou: há a tendência a tomar as coisas por meio de espectros, e não visões pontuais. A despatologização do autismo é uma tendência não só do autismo, mas de uma série de outras situações. Se isso é impulsionado ou não pelo capitalismo, realmente não vem ao caso. E se há na sociedade filmes sobre autistas que se destacam em profissões – coisa que Pondé diz e que ele não gosta -, melhor ainda.
Segundo: ninguém pode saber se um autista é um ser sofredor. Crises de pânico e outras coisas parecidas, afligem a todos. Umas pessoas são mais comunicativas, e outras menos. E ansiedade, não há que não tenha hoje em dia. Alguém em crise e um autista em crise podem ser acalmados por um mesmo dispositivo: um cachorro para abraçar. Aliás, ninguém pode dizer que um autista não pode ser integrado na sociedade. Vi várias crianças diagnosticas com “alto grau de autismo”, que pareciam incomunicáveis, e que ao ganharem um cachorro Golden Retrivier passaram a demonstrar longo sorriso. Receberam um amigo de conversação. Coisa linda! São crianças certamente mais felizes que um tipo Pondé (bem, isso não é difícil, pois ninguém chega ao nível de fracasso pessoal de tal figura!). O certo é que muitos pais não estão querendo ver filmes de autistas heróis para fazerem de seus filhos os novos heróis – coisa que também Pondé tenta ridicularizar. Os pais estão aprendendo um novo conceito, o de autismo por espectro, e percebendo que o autista, como qualquer outra criança, pode se submeter a um teste vocacional, e não simplesmente ficar na mão, parado, com um diagnóstico que amarra todos o seu destino. O autismo é uma porta aberta para se descobrir habilidades. Hoje, todos sabemos disso. Mas Pondé não pode aceitar isso.
Ele não pode aceitar por dois motivos: ele não sabe usar a capacidade analítica humana, então, não consegue reconceituar e ressignificar. Ele tem uma profunda mágoa de ver pais felizes, pois tudo indica que ele teve péssima infância, e, como pai, deve ter transformado os filhos em robozinhos que apenas o reproduzem. Quando ele vê que pais de autistas descobrem grandes habilidades em seus filhos, e que ele próprio, Pondé, não descobre nenhuma habilidade nele mesmo, sua boca espuma de ódio. Ignorância e ódio, essa dupla que Sócrates dizia serem a mesma coisa, percorre toda a camada de adiposidades que encapa os criptosseios de Pondé.
Autista feliz? Pais de autista podendo perceber que o filho tem, antes de tudo, com o autismo, uma vocação. Pais de autistas que notam que seu filho simplesmente tem algo que ele faz e o deixa feliz – é isso o que Pondé teme. Ele teme que algo que foi taxado como sofrimento não seja sofrimento. Ele geme e grita. Ele se imagina realista! Não, ele é apenas um pobre diabo.
Pondé é o arauto da infelicidade, não só do pessimismo banal, de senso comum. Descobri agora um motivo do ódio do Pondé diante da Greta (mais que o Bolsonaro!). É que ela é militante antidesmatamento e também autista. Isso é demais para ele. Uma jovem que quer um mundo melhor para todos, e ainda por cima é autista, o faz sentir-se um lixo.
Paulo Ghiraldelli, 65, filósofo.
Veja o vídeo: https://youtu.be/Hrle7BDAW1Y
Mais vídeo: https://youtu.be/g7eYJwdcgcw
Pondé tem seguidores, escreve para a Folha, é comentarista da TV Cultura e influenciou e influencia uma geração para a direita política. Foi competente e bem sucedido. Já você, Ghiraldelli, morre de inveja de tudo que ele conquistou, daí seus incessantes ataques. . . Invejozo!
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