A menina de 11 anos, vítima de estupro, chegou ao hospital universitário no estado de Santa Catarina, para pleitear o procedimento abortivo previsto em lei. Lá no hospital, os médicos, com consciência e presteza, atenderam a menina. Todavia, verificaram que a menina já estava com mais de 22 semanas de gestação. Não fizeram o aborto. Claro! Estavam impedidos por lei. Mas também estavam relativamente impedidos por conta da prática médica consensual no nosso planeta. Por quê?
Há 61 países em que o aborto é legal. Mas neles, como não poderia deixar de ser, há o respeito ao conceito de aborto. E isso depende do saber médico mundial e local. Este saber indica que para além de 24 semanas, a tecnologia disponível no mundo permite tirar o feto com muitas chances dele sobreviver. É um bebê prematuro, mas é bebê. Tirá-lo em forma de aborto, então, não é de fato aborto, e sim a provocação de um óbito. Ou seja, não se está mais lidando com algo que não pode sobreviver, e sim com algo que tem todas as chances de vida na maioria dos hospitais, segundo a tecnologia atual relativa a nascimento de prematuros. Assim, os países decidem pela legalização do aborto abaixo de 24 semanas. Acima, não é aborto, é nascimento. Os países só contrariam tal coisa quando há risco de vida da mãe – e aí não importa a idade ou qualquer outro detalhe. Assim, recentemente, nosso vizinho latino americano, a Argentina, tornou o aborto legal. Mas não acima de 14 semanas. Na Europa, em geral opta-se por 20 semanas como idade máxima para o aborto.
O que ocorreu em Santa Catarina, com a juíza Joana, seguiu os padrões da ação correta. Os médicos do hospital universitário não fizeram o aborto, e encaminharam o caso para a juíza, com um adendo: um parecer de que a menina grávida não corria risco de vida. Ou seja: a juíza pegou o caso pronto: estava descartado, pelo conceito e pela lei, a interrupção da gravidez. A juíza tinha, então, de encontrar a melhor solução a partir desse dado. Assim, apenas para ampliar a segurança, para diminuir o risco de óbito do feto, consultou a vítima se ela podia esperar uns dias. Foi o que a juíza disse à menina, após esta e sua mãe terem confirmado que não ficariam com o bebê. A juíza no caso cuidou da menina, colocou mais médicos à disposição dela, e colocou-a, sem perder contato com a mãe, em local seguro – a casa da menina não parecia segura. A melhor solução, dentro do quadro, era a procura por quem quisesse adotar o bebê. Foi isso que a juíza fez, prontamente.
O hospital agiu certo. A juíza é mestre e doutora no assunto a respeito de cuidado com a infância, e agiu também corretamente, dentro do conceito médico e dentro da legalidade. Ou seja, se se pode tirar o feto vivo, tira-se vivo e se dá para a adoção. A juíza já tinha família esperando na fila para a adoção, e comunicou isso à garota grávida.
Tudo isso deveria correr em segredo de justiça, para preservar a menor. Mas inescrupulosos (e no limite, criminosos) gravaram a audiência e soltaram as falas na imprensa, sem as devidas explicações. Jornalistas leigos e com pouca vontade de investigação, trataram de falar que a juíza havia negado o direito de aborto à menina. Outros jornalistas fizeram o mesmo, aliando burrice e má fé, que não raro caminham juntas em boa parte da imprensa que, hoje em dia, não faz nada senão copiar o que é de outro na Internet. Então, pessoas que são favoráveis à legalização do aborto, seja de modo restrito ou de modo amplo, passaram a atacar a juíza. Ela foi execrada em redes sociais, que em geral perpetuam a burrice sensacionalista.
Assim, a ideia de “meu corpo minhas regras”, dentro do possível do nosso país, foi seguida corretamente. No entanto, a imprensa deturpou a coisa. Imputou à juíza descuido com a lei, o que não ocorreu. Muito ao contrário. O fato é que a frase “meu corpo minhas regras” não tem validade universal. Nossas regras não são todas nossas, de modo absoluto, elas obedecem além da legalidade, também o saber da biologia. O liberalismo mais liberalista do mundo, ainda assim não pode considerar a liberdade para além da racionalidade. O médico defensor do aborto, no mundo todo em que o aborto é legal, não se propõe a fazer o aborto (salvo risco de vida da grávida) para além de 24 semanas. Pelo juramento de Hipócrates, ele é, antes de tudo, alguém que faz o que é vivo, dentro do conceito médico de vida atual, a continuar vivo.
Paulo Ghiraldelli, 65, filósofo
Veja o vídeo sobre o assunto: Ghiraldelli https://youtu.be/vwkKgVgDvlI
Veja o vídeo sobre o assunto Mariangela Cabelo https://youtu.be/1JC9OzGCZyU
A lei brasileira garante a interrupção da gravidez, em caso de estupro, risco de vida pra mãe, feto anencéfalo, sem citar o tempo da gestação, ou seja, nesses casos em que lei permite. O que há é uma consideração técnica da OMS, que já considera a possibilidade do parto perinatal ou da gravidez perinatal, porque há um chance, ainda que remota, do feto sobreviver, a partir da 22a semana de gravidez e 500 gr de peso. Sendo assim, o Hospital poderia ter feito a interrupção, até por ser um estupro presumido porque a lei acoberta.
Naquela audiência tinha que estar participando, um psicolólogo(a) ou uma assistente social. Impuseram uma gravidez a uma criança de 11 anos e a colocaram num abrigo, longe da mãe, com o argumento deixá.la protegida do estuprador. A família acompanhou a menina nesse abrigo? Uma desembargadora inclusive já determinou a retirada da criança do abrigo e foi devolvida à mãe. As crianças, as pessoas, precisam ser protegidas pelo Estado. Estamos falando de uma criança!
Se a criança fosse de uma família de classe social melhor, com certeza não teria passado por decisão judicial.
Chamar o estuprador de pai foi demais! O que uma criança pode decidir numa questão dessas? A mãe dela estava lá pra decidir e não foi considerada. Fora que a criança corre risco de vida numa gravidez nessa idade.
Professor. O senhor mesmo fez um vídeo revoltado com a decisão da juiza e todos nós só tínhamos esse vídeo.
Pelo visto o Prof. ficou com medo de ser processado pela juiza e deletou o vídeo. Desde entao, mudou completamente de opinião e está falando coisas completamente fora da casinha…
Por isso desta retratação. Isso não ficou claro?
Por muitas vezes professor me incomodei com a sua forma de qualificar as pessoas que são alvos de suas análises, contudo quero ser justa com a correção com que tratou o caso. A reparação feita e a forma instantânea que atuou pra esclarecer o assunto e tornar o fato pedagógico de todas as formas, quer no erro da precipitação como sobe o tema. Isto é ser honesto e pela indução da reportagem que motivou um abaixo assinado que participei também reconheço o erro e igualmente me desculpo perante a Sra Juiza.
Falou tanto em lei que ignorou o código penal, seria isso desonestidade intelectual? Até a Jovem Pan que é um antro bolsonarista não está encampando suas ideias.
Prezado Dr, onde está a compaixão pela menina? A fala da juíza não induz a erro, é clara. Interrogou como se fosse adulta e pudesse entender termos jurídicos, a promotora idem! Não prezaram em momento algum pela vida da criança! Como podem pensar em semanas do feto se corre risco a vida dela? Não ter o corpo feminino formado maduro? Respeito a opinião, mas confesso que me causou estranheza defender quem não alplicou a lei. Apenas pela fala dela demonstrou valores arcaicos. A menina não quer e ponto. Vale a lei. Fico a pensar, e se ela vier a óbito? O que dirão essas cidadãs conservadoras, público bolsonaristas e o Senhor? A hermenêutica sempre deve ser estudada… nesse episódio há uma dicotomia apenas, quem está contra ou a favor, contudo estar a favor dessa juíza é se misturar com a turma que o Dr mais condena, merece meditação!
A imprensa está sendo injusta com a juíza. Sua preocupação com o fato de o aborto ser tardio é muito relevante, inclusive porque, quanto mais tarde for feito um aborto, não só é mais cruel com o feto (menina ou menino) que já é formado, mas também torna-se cada vez mais arriscado, ainda mais considerando que a vítima de estupro ainda é uma menina de 11 anos, com o corpo mais frágil. Uma cesárea bem-feita (com uma obstetra de categoria e bem treinada, devemos ressaltar) é mais segura do que um aborto em fase muito tardia, como era o caso, de quase oito meses de gravidez. Dever-se-ia proteger a segurança da saúde da menina em primeiro lugar, não quaisquer outros interesses. Por isso, consideramos que toda essa pressão contra a juíza Dra. Joana é perseguição ideológica. Os juízes que devem ser perseguidos e afastados são aqueles que maltratam as mulheres e meninas, não uma juíza que quer fazer o seu melhor. Ademais, falar com uma menina sobre tomar uma decisão por si, de forma responsável, não é errado, pois mesmo as crianças devem saber sobre o que vai acontecer com elas. É machista e paternalista a visão de que as crianças devem ser mantidas na ignorância. O que a sociedade deve fazer é combater a cultura do estupro que faz essas atrocidades com as meninas, punindo os chamados pedófilos e também por meio da educação feminista nas escolas. Até dentro de casa elas não estão seguras, pois hoje nossa sociedade cada vez mais objetualiza o corpo feminino, de modo que desde a infância as garotas estão sendo assediadas. É terrível a situação da nossa sociedade.
“ABORTO. Na lei não está escrito que o aborto tem data. Por quê? Porque a lei se refere a aborto, e não a outra coisa. E o conceito de aborto que a lei toma é o conceito de aborto estabelecido medicamente pelo mundo todo, ou seja, no máximo (em média) 20 semanas. No caso brasileiro, 22 semanas. Caso a tecnologia venha a fornecer mais condições ao prematuro, num futuro próximo, então o número de semanas poderá encurtar ainda mais. Poderemos chegar a considerar que o feto que tem chances de vida é o feto de 14 semanas, por exemplo, que é a data máxima na Argentina para o aborto legal. Assim, a lei não fixa data, pois ela depende do conceito. É o conceito que é objetivo, não a lei somente. Sei que há advogados que não podem entender isso, dado que os cursos de Direito acolhem gente que não sabe conceituar e nem sabe o que é conceito, e apenas tenta decorar a lei. Os cursos de Direito foram massificados, até Moro, Luciano Huck e Caio Coppola conseguiram diplomas de faculdade de Direito. Até filho de Bolsonaro tem esse diploma!”
Prof. Paulo Ghiraldelli respondendo a comentários em seu canal do Youtube!
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Pelo visto, o Daimon do Professor continua tendo muito trabalho…rs! Quando é para ser ouvido ele é ignorado. Quando é pra ser ignorado, é ouvido! Como eu disse antes, precisa calibrar melhor essa relação aí! rs
De todo modo, sinto-me honrado pela resposta, Prof. Paulo. Apesar de que eu vi um crtl+c/crtl+v desse mesmo texto em resposta a outros comentários. Mas tudo bem. Como sinto que o debate aqui deu uma escalada, vamos à tréplica!
Se a preocupação do professor está no conceito ou na reflexão sobre o que é conceituar, algo extremamente relevante, de fato, desde o nominalismo do século XIII, vamos começar corrigindo aqui um ponto chave dessa discussão: o termo correto é “aborto” ou “abortamento”?
É preciso, antes de tudo, abandonarmos o incorreto uso do termo “aborto”, considerando que este é o PRODUTO ou o RESULTADO do ato de abortar. Ao nos referirmos ao crime que se encontra tipificado no Código Penal entre os arts. 124 e 128, o termo correto, técnica e conceitualmente falando, seria ABORTAMENTO, pois nesse caso sim estaríamos nos referindo à conduta do agente relativo ao ato de abortar!
Portanto, do ponto de vista jurídico-penal e técnico, o correto é nos referirmos a tal crime como sendo de ABORTAMENTO e não simplesmente “aborto”, pois que este é o produto, o resultado do aborto, ou seja, o concepto, o embrião ou feto que vem a ser morto a partir da conduta criminosa.
Partindo do uso correto desse conceito, portanto, a lei penal, no caso, o Código Penal de 1940, de fato, não cuida de CONCEITUAR não apenas a prática do abortamento. O CP praticamente não se deu ao trabalho de conceituar crime nenhum ou norma alguma (com raríssimas exceções, como é o caso do conceito de funcionário público previsto no art. 327 do CP), sendo essa tarefa relegada aos doutrinadores, aos juristas, pesquisadores, professores, etc. Essa é uma tarefa relacionada com a INTERPRETAÇÃO da norma, sendo de várias espécies (autêntica, doutrinária, judicial, etc.), o que não vem ao caso aqui.
Fato é que, há casos, como esse relacionado ao crime de abortamento, que os DOUTRINADORES (que vou usar aqui de forma genérica para me referir a todo jurista) são obrigados a se socorrem de outras áreas do conhecimento, como a medicina. Porém, isso não significa que não se PRENDAM ou se RESTRINJAM a ela.
E isso significa também que o conceito (de fato, muitos não sabem conceituar ou nem sequer tem ideia do que sejam conceitos) que será adotado em determinada lei nem sempre seja o mesmo ou idêntico ao que vem a ser adotado pela área do conhecimento em que ela irá se basear. E é isso que temos aqui no caso do crime de abortamento.
(continua nos comentários…)
(cont.):
Não é verdade, como diz o professor, sem citar fonte alguma, que o “conceito de aborto (sic) que a lei toma é o conceito de aborto estabelecido medicamente pelo mundo todo, ou seja, no máximo (em média) 20 semanas.” Simplesmente não é verdade isso. Cadê o Daimon para dizer não a respeito dessa afirmação absolutamente desprovida de fontes?
Há consenso, inclusive, tanto entre pesquisadores da medicina quanto do Direito, quanto ao fato de que os CONCEITOS de abortamento são distintos para as duas áreas.
Do ponto de vista médico, de fato, considerando que o conceito formulado se baseia na viabilidade fetal extra-uterina, é mundialmente aceito pela literatura médica que o abortamento seja entendido como a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou ainda, alguns consideram quando o feto mede até 16,5 cm.
Mas, sob o ponto de VISTA JURÍDICO, não. Não foi esse o conceito adotado pela lei penal e praticamente nenhum doutrinador criminalista e, como eu disse, nenhum Tribunal compreende que o abortamento coincida com esse conceito médico. Para o Direito não existem “limites para a idade gestacional, isto é: aborto é a interrupção da gravidez com intuito de morte do concepto, não fazendo alusão à idade gestacional. Consuma-se o aborto com a interrupção da gravidez e a morte do feto, desnecessária a existência da expulsão fetal.”
Eu poderia citar aqui inúmeros doutrinadores penalistas que esclarecem isso. Mas essa evidente distinção pode ser consultada no Parecer nº 24.292/00, disponível no site do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo em http://www.cremesp.org.br.
Portanto, reitero o que já disse anteriormente. Para fins legais não existem limites de data gestacional para se considerar a hipótese de um abortamento legal. O conceito jurídico de “aborto” NÃO COINCIDE com o conceito médico de “aborto”.
Simples assim. Não há sequer polêmica quanto a isso…
Mas, claro, no YouTube e no ambiente da “sala de aula” da Faculdade da Internet, tudo vira polêmica, evidentemente. Ainda mais quando qualquer pessoa (ainda que seja uma reconhecida autoridade em seu específico campo de atuação) se mete a tratar de um tema específico relacionado a uma OUTRA não se dedicou formalmente e por isso não domina. Nesses casos até sujeitos mal capacitados, como Moros e Dalagnóis, acabariam se sobressaindo, no que diz respeito ao tema do Direito, sobre quem apenas conhece o tema como leigo, influencer ou youtuber…
Por fim, vale lembrar que não bastasse termos que lidar com formação de péssimos profissionais de todas as áreas pelas faculdades do Brasil, ainda temos que lidar com a desinformação que é propagada de forma livre, leve e solta pelas redes!
A democracia é uma delícia, mas ela tem seus custos, como disse Ciro Gomes lá trás! rs
O Hospital erra. Talvez menos que a Juíza, mas erra. Erram ambos. E uma criança de 10 anos, negra e pobre, continua diariamente sendo violentada…
Anitta: “Meu koo, minha tattoo”
Pelo pouco que conheço da história, a minha impressão é a de que TODOS os envolvidos agiram mal, só as crianças são inocentes aqui. Que se entenda pelo menos o óbvio: não há como conciliar o direito ao aborto da gestante com o direito à vida do feto. Não existe 1/2 aborto, 1/2 estupro ou 1/2 gravidez. A sugestão da juíza à menor – forçar um parto prematuro com umas 25 semanas para a seguir doar o bebê – é abjeta. Só médicos poderiam sugerir parto prematuro a uma gestante adulta que optasse pelo prosseguimento de uma gravidez de risco. Se a juíza julgou que não havia base legal para aborto, que o negasse sem mais delongas, e indicasse apoio para a família. Ou que julgasse o caso gravíssimo, mandasse prender os pais e institucionalizasse todas as crianças envolvidas. Meio-termo, pelo menos nesses casos, não funciona.
Agradeço pela explicação, professor.
hi nice post thank yo so much Sarkari Exam
Fábio,vai curtir teu sertanejo com o Carluxo viado…..idiota!!!!!!!!
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