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Nurlan em busca dos seios em “The Bra”

Todos nós sabemos que o Príncipe tentou encontrar Cinderela através do sapatinho de cristal. Sabemos também que a prova dos nove não foi o sapatinho servir no pé de Cinderela, e sim ela mostrar que detinha o pé que faltava ao par.

No originalíssimo filme The Bra (Veit Helmer, Alemanha, 2018), o maquinista Nurlan (Miki Manojlović) executa um itinerário análogo ao do Príncipe, só que não por conta de sapatinho, mas por causa de um sutiã. Sua locomotiva atravessa regularmente uma vila no Azerbaijão, e acaba por levar um sutiã de um varal estendido bem no meio dos trilhos. O sutiã fica com ele. Em um primeiro momento, nada pensa sobre aquilo, jogando-o no lixo. Mas o problema é que à noite, na hora de dormir, lhe vem à memória uma imagem colhida a partir da janela do trem, uma moça dentro de uma casa tirando o sutiã de maneira leve e suave. Nurlan volta ao lixo, apanha o sutiã e o lava carinhosamente.

Tudo isso coincide com a aposentadoria de Nurlan. Então, a solidão que já o incomodava, dobra de intensidade. Não conseguindo casar-se devido à idade, pois não tem como demonstrar à mãe da pretendida ser capaz de levantar dois vasos pesados – que ela própria, a ex-futura sogra faz com facilidade -, Nurlan resolve colocar a si mesmo uma missão: descobrir a dona do sutiã e aplacar a imagem de todas noites, a da bela moça na janela, tirando o sutiã. Seria a dona do sutiã uma mulher parecida com aquela da imagem?

Tudo que sua locomotiva levava enroscado era devolvido por ele, dedicadamente, aos habitantes do vilarejo cortado pelo trem. Então, por que não fazer o mesmo com seu último talismã? A entrega do sutiã à verdadeira proprietária torna-se uma obsessão. Dever e prazer se casam. Mas, antes de tudo, o que move Nurlan é a imagem noturna, a ficção. Uma espécie de curiosidade adolescente! Seria maravilhoso ver aqueles seios jovens e de um tamanho ideal serem abocanhados pelo sutiã sensual. Nada como poder ver os peitos maravilhosos voltarem para casa! A casa azul.

Nurlan poderia ir de moradia em moradia ali da vila e, ao perguntar sobre a dona do sutiã, apenas confirmar o caso checando a posse da calcinha, correspondente ao sutiã. Mas ele, obviamente, não pega essa via. Ele vai de casa em casa, querendo que cada mulher experimente a peça. Algumas aceitam o convite de modo até exagerado. Outras recusam o pedido. Para ter mais facilidade de entrada, Nurlan se faz passar por vendedor de sutiã. Com amostras na sua bicicleta ele vai de porta em porta. Todavia, há uma preferência: Daria (Paz Vega, atriz espanhola de 46 anos considerada uma das mais sexy da atualidade). Daria experimenta o sutiã na frente de Nurlan, mostra que a peça não é dela, e o que é dela, verdadeiramente, são os lindos seios que generosamente deixa Nurlan ver. Nurlan deveria ter parado ali, uma vez presenteado pela imagem. Mas ele continua sua saga e, claro, atrai o ódio dos maridos do vilarejo!

O filme traz à tona a eterna pergunta: por que nos encantamos com o seios?

A resposta corriqueira que a antropologia em conluio com a psicanálise nos dá é simples, mas não por isso não verdadeira: nosso primeiro objeto de satisfação são os seios. Eles são quase tão generosos quanto a vida no útero, onde reina toda a facilidade. Dali para frente, após a primeira mamada, todas as formas arredondadas serão bem vindas. E se forem proeminentes, como algo que busca invadir o espaço por meio de um bico ou coisa parecida, tanto melhor. Os foguetes de Flash Gordon que o digam! Foram os únicos que realmente encantaram gerações. Da perspectiva do bebê, os seios não são uma bola, mas um bojudo foguete de Flash Gordon vindo em sua direção, quase que repondo uma satisfação alimentar, móvel e climática prazerosa só existente no útero.

Todos nós – inclusive as mulheres, é claro – carregamos como uma missão como a de Nurlan, essa busca pela volta ao campo familiar que é o contato com os seios. Mulheres se dedicam a conseguir o seio perfeito. Homens e mulheres escolhem sutiã com mais cuidado do que qualquer outra peça de roupa. Todo e qualquer sexo começa pelos seios. O homem admirador assíduo de decotes é comprovadamente alguém com dez anos a mais de vida do que o homem que não se dedica a tão promissora arte – assim foi dito por pesquisadores. Todas as mulheres se tornam um pouco lésbicas ao ver os seios belos de outra, e se regozijam em tocar os seus próprios seios, especialmente quando eles começam a aumentar. Nada mais compreensivo que a missão de Nurlan.

Mas nem todos os homens sabem de tudo isso. Rousseau conta em uma de suas autobiografias de como magoou uma acompanhante ao não prosseguir em carícias ao notar que ela tinha um dos bicos do seio invertido. A moça foi taxativa quando percebeu o ocorrido: vá para a matemática, não para as mulheres. As pequenas imperfeições de um seio – eles nunca são iguais – são uma dádiva que o homem que gosta de mulher aprecia. Os seios pertencem à geometria não-euclidiana!

Nos sonhos de Nurlan nunca os seios realmente aparecem, somente o sutiã. A casa dos seios, o local de habitação dessas figuras é que vale, só a moradia é perfeita. A beleza do imperfeito mora na casa da perfeição. O sutiã é feito pelos homens, por isso é perfeito. Os seios são obras de Deus, por isso são sensuais na suas pequenas imperfeições.

Paulo Ghiraldelli, 64, filósofo.

Atriz espanhola Paz Vega. É a Dária, em The Bra.