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Sérgio Camargo tem a pele negra. Só!

O que faz Sérgio Camargo ser o mais perfeito bolsonarista? Simples: após ele ver um negro que tem sensibilidade para com seus irmãos negros, ele olha no espelho e procura por algo que seja um interior, mas nada sente, nem por outros e nem por nada. Ou seja, ele sabe que há quem sinta algo por algum estímulo, mas ele nada sente. Não há estímulo que o faça sentir alguma coisa.

Sérgio Camargo é inculto. Ele não sabe o que é um livro de Karl Marx. Nem consegue fazer uma regra de três. Ele absorve o bolsonarismo em sua forma mais tosca. Não poderia estar no cargo que está exatamente por conta de sua incultura. Mas, o sarcástico de sua história é que ele é um negador de tudo aquilo que representa a Fundação Palmares, que ele dirige. Nisso, ele se aproxima de todas as pessoas que Bolsonaro nomeou. Todos eles são inimigos declarados do conteúdo das pastas que pegaram. Todavia, seu caso é mais notável, pois ele chega mesmo a querer mudar o nome da fundação que dirige. Quer que se chame Princesa Isabel. Ele quer um patrono branco. Ele quer a madrinha branca. Sérgio Camargo acha que todo negro é racista, pois não reconhece a verdade que ele reconhece: só os brancos são humanos, os negros são desprovidos de humanidade, e se estão vivos e até colocando gravata, isso é por conta da bondade branca.

Sérgio Camargo nada sente porque ele não tem nenhuma subjetividade. Ele se espanta com a ideia de que pessoas negras tenham alguma subjetividade. Ele acha isso um grande engano. Os policiais que atiram em negros, eles próprios negros, sabem que os negros possuem subjetividade. Mas a avaliam como preenchida por um determinismo atroz: trata-se de má índole, uma natureza bandida, uma vocação para o crime. Nesse sentido, os policiais atiram primeiro e perguntam depois, embora a pergunta, seja ela qual for, deva ficar sem resposta. Eles atiram para matar. Matar animais, no Brasil, é crime, dependendo do animal. Matar negros é motivo de recompensa. Sérgio Camargo não chega a esse nível dos policiais. Ele está aquém. Ele não reconhece nenhuma subjetividade no negro. Ele olha para si no espelho e vê apenas cor da pela negra. Então, acha que os outros negros também têm apenas a pele negra. Ele reduz a cor ao pigmento.

Mas a cor do negro não é pigmento, é subjetividade que só existe por estar preenchida pela cultura. Não é o folclore. Não se trata de samba, cachaça, vatapá e bunda, embora também se trate disso. Trata-se de luta por direitos, capacidade de sínteses diferentes da do branco, investida na busca de um futuro que traga a África para perto da América, de modo que com menos de suas braçadas se possa atravessar o Atlântico.

A campanha que rola atualmente, nas camisetas de muitos, é “Imagine a dor advinhe a cor”. Ela não remete à cor que é cor de pele. Esta é apenas o fenomênico. Sem cultura, seria cor apreendida pelo olhar físico. Mas a cor, nesse caso, é o alerta para o olho físico, que alimenta a imaginação, a imagem, mas que sabemos que não é a cor negra, mas sim a cor da África. O negro é então negro se o negro da pele foi pintado pela cultura, pela vida, pelas agruras, pela sabedoria de “imagine a dor advinhe e a cor”.

Quando Sérgio lê os dizeres da campanha, ele reduz a cor à cor. “Pigmento por pigmento não dá direito a alguma coisa”, pensa ele. “Afinal, sou negro e nunca tive direitos que não os direitos que me cabem”. “Outros, negros, tiveram”. “Tiveram coisas que não cabem”. “Não os entendo, como puderam se fazer humanos se são como eu? Ora, e eu sempre fui, quando não puxei o saco dos poderosos, apenas animal, talvez pedra!” “Ah, estão mentindo, se imaginam como tendo alguma subjetividade, algum direito, mas nada têm, pois não são capazes de reconhecer quem criou o universo, ou seja, o branco rico”.

Como Sérgio avalia que todos os negros que o contestam estão mentindo, que não possuem nenhuma individualidade, então ele conclui que devem ficar calados. São “maus negros”, ele diz. “Eles mentem”.

Sérgio Camargo não aguentaria o filme de Tarantino, Django Livre, em nenhum momento. Em especial, aquele momento em que o capataz vê Django entrando a cavalo na fazenda, montando como branco. A pergunta do capataz é uma só: como Django pode fazer o que faz se ele não é gente, não é um indivíduo? Ele nada tem em seu interior, como pode querer se passar por alguém que tem algo como uma subjetividade? Está mentindo.

Zezé Mota e todos os negros que criticaram Sérgio Camargo, para ele, são mentirosos. “Como podem ter a cor da pele negra e acreditarem que possuem algum pensamento próprio, alguma subjetividade, alguma intimidade singular?” “Estão mentindo para a sociedade. Devem ser punidos”.  “Nenhum negro sente alguma coisa”.

Paulo Ghiraldelli, 64, filósofo