O Brasil viveu uma efervecência de idéias entre 1930 e 1937. Muitos livros que usamos na Universidade atualmente, de autores estrangeiros atuais, possuem abordagens utilizadas por autores brasileiros desse período anterior ao golpe que levou ao Estado Novo. Em boa medida, essa literatura não deixou muito rastro. As editoras desapareceram e seus autores também, sem discípulos que pudessem continuar a obra. Em pesquisas sobre o movimento operário, sobre o qual escrevi dois livros nos anos oitenta, deparei-me com essa literatura. Lembrei-me disso ao ver um artigo do Pondé na Folha de S. Paulo (25/07/2021).
Pondé fala de livros que nem sempre lê. Usa algumas linhas dos livros para repetir uma de suas ideias já batidas: não se pode ter utopias, e se as temos, somos doentes ou pessoas más. Querer construir um mundo melhor é proibido. Pondé odeia revolucionários e utopistas. Até mesmo reformistas ele não suporta. O mundo não pode ser melhor por uma razão simples: ele teme que se mais pessoas forem felizes, ele não suportará viver. Ele teme, também, que se houver mais igualdade no mundo, os seus privilégios de rico talvez tenham de ser um pouco contidos. Desse modo, ele retoma em um artigo último uma tese batida, que ele vem repetindo há muito tempo (que falta de assunto e que falta de criatividade!), e que encontrei em livros brasileiros dos anos trinta feitos por autores integralistas ou autores que se diziam adeptos do nazismo. Eis a tese: as pessoas que querem melhorar o mundo são, na verdade, pessoas que querem “salvar o mundo”, e tais pessoas não percebem o qual grandiosa e impossível é tal coisa, e por isso deveriam ser vistas como proprietárias de uma psicologia problemática.
Pondé começa com Bakunin para ir até o campo do idealismo alemão. E ele fala de todo o idealismo alemão por meio de uma só frase, digna de quem mente que se formou em filosofia. Pode-se ter um diploma de filosofia, mas quem realmente passa por aulas de filosofia, principalmente na USP, não pode escrever essa besteira: “O idealismo alemão é uma grande viagem na maionese. Uma metafísica reeditada, como se Kant nunca tivesse existido e não tivesse jogado a metafísica na lata de lixo.”
Pondé fez filosofia onde? Na Usp? Mas quem o viu em sala de aula? Pois pode alguém que fez filosofia escrever que de que Fichte a Hegel, inclusive ambos, tivemos uma “viagem na maionese”? E o próprio Kant, não pertenceria ao idealismo alemão? Todos os manuais dizem sim. Pondé sempre aparece em oratórias com a cabeça pendente para um lado. Não será essa postura estranha uma indicação de quem não pode encarar o mundo realmente de frente? A cabeça torta já não seria uma forma de desviar o olhar daquele que sabe que está mentindo e que é uma falcatrua enlaçada em uma barriga disforme?
Depois dessa frase, Pondé se dedica a dizer que o idealismo alemão, sendo o produtor do “idelismo” também em política, seria apenas um sistema religioso. Os idealistas não seriam outra coisa senão religiosos disfarçados. A ideia (hegeliana) seria um Deus de máscara. Assim, pensadores revolucionários, devedores de sistemas idealistas, seriam mera imitação de religiosos fanáticos.
O que Pondé não sabe é que os grandes revolucionários, religiosos ou não, nunca quiseram salvar o mundo. Jesus quis falar somente ao seu povo. Se quis um mundo melhor, por meio de uma revolução no sentimento, jamais achou que com isso salvaria o mundo. Ele deixou claro que muita gente não concordaria com ele e que ele sabia que suas chance de mudar o sentimento das pessoas era limitado. Quando encontrou o rico e falou de agulha e camelo, deixou isso bem evidente. Marx nunca quis salvar o mundo. Sua ideia era a de transformar a sociedade, levando-a para as possibilidades de um mundo menos injusto. E isso não por atos de gente que tira coelho de cartola, mas por conta de sua análise a respeito das crises dos capitalismo – coisa que presenciamos e que, recentemente (2007-08), nós vivemos. E até Lênin, descrito como homem de fervor revolucionário fortíssimo, nunca disse que veio para salvar o mundo. Os limites de suas ações sempre foram ditas por ele mesmo. E isso se acentuou claramente à medida que a revolução bolchevique foi enfrentando percalços.
Os sistemas do idealismo alemão são filosofia de primeira linha. E cá entre nós, sabemos que todos os filósofos trabalham no sentido de construirem algo que vai ao limite. Eles sabem que se não criam sistemas que levam a ideia de perfeição racional, não fazem filosofia. E o interessante é notar que os filósofos que dizem que não fazem sistema, também trabalham com ideia semelhante. Por exemplo: Nietzsche fez Zarathustra anunciar o Além-do-Homem. Políticos podem seguir esses sistemas, mas nenhum bom político acredita que vai realizar o sistema que está no livro. Mas o bom revolucionário sabe disso mais que o político conservador. O conservador não experimenta a vida, ele apenas vive o não mutável da vida. A mudança, ele evita ou luta contra. Não a vive, não cria experiencias úteis para si mesmo com a mudança, e por isso se castra, pois é justamente a mudança que é a vida. O conservador não entende que seu oponente, o revolucionário, sabe mais que ele sobre os limites da revolução.
Os líderes que quiseram implantar a tal “salvação do mundo” nunca foram revolucionários. Hitler, Franco, Mussolini e outros demagogos que atuaram como visionários salvadores foram conservadores que quiseram manter o capitalismo. Eles se apresentaram como salvadores do mundo. Eles jamais falaram de um mundo melhor. Nem de um mundo justo. Eles falaram de um mundo que deveria ser o mundo “grandioso”: Alemanha grande, Itália Grande, Espanha Grande. “America is great again” diz respeito ao que Bolsonaro e Pondé gostam. Os homens que Pondé gosta são os homens que prometem não um mundo melhor, mas um mundo em que irá existir um Povo Superior.
Paulo Ghiraldelli, 64, filósofo.
Foto de capa: Hegel
Na passeata de 25 de julho, um homem literalmente vestido de cartazes, mostrava num deles: bolsonarista arrependido. Capturei essa imagem no celular, claro. Era o mínimo que eu devia fazer. Não era proselitismo, disso eu tinha certeza, pq em nenhum dos outros cartazes mostrava partido A ou B. Então, me lembrei de uma palavra que o sr. sempre nos diz: ira. Uma ira eloquente, que gritava nas letras garrafais daqueles cartazes. A ira era seu partido.
Professor, os textos nos ensinam muito. Venho aqui diariamente ver se surgiu algum texto novo, sei que são muitas atividades, mas sempre que puder colocar as suas análises escritas aqui, nós que gostamos de ler, agradecemos.
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