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Kennedy e Lula é dinheiro fácil para Oliver Stone

Lula não foi preso por um complô do governo americano. Muito menos há mistérios na morte de Kennedy para além dos já aproveitados pela mídia. Oliver Stone nada é senão um homem da indústria cultural. Essa indústria não visa a arte e nem mesmo o entretenimento, apenas dinheiro. Oliver Stone tem de fabricar ficções que beiram o fake news se quer fazer histórias sobre Kennedy e Lula. E ele quer, claro, porque elas vão render uma boa grana.

O melhor modo de ganhar dinheiro nos Estados Unidos com a indústria cultural é explorar a mitologia urbana americana, em especial aquela que se aproveita de dois elementos daquela sociedade. Primeiro: a participação política americana não é pequena, mas a politização americana é baixa em relação à europeia. Os americanos entendem pouco do que se passa em Washington, e de certo modo nem se interessam muito por isso. Apesar de ter inúmeros partidos, a sociedade americana convive com um bipartidarismo prático há muitos anos, isso também dificulta a politização. Segundo: os americanos se acostumaram com a existência do FBI e da CIA atuando por detrás da democracia, muitas vezes burlando a visão do Congresso. Esses dois elementos juntos geraram, principalmente após os anos sessenta, a visão predominante do americano médio, a saber, a de que há histórias mirabolantes no interior do poder, onde até ETs participam. Teoria da conspiração é algo próprio da sociedade americana.

Chomsky nunca conseguiu ir além disso! E a direita fica na cola, às vezes exagerando mais, colocando um Biden comunista e pedófilo para pegar todas as crianças americanas, que só poderiam ser salvas por Trump.

Nós temos caminhado para uma certa americanização de nossa política. Como eles, nós ampliamos o número de advogados mexendo com causas políticas. Ocorre aqui uma judicialização da política. É a guerra de todos contra todos na forma de processo de todos contra todos. Isso retira o homem comum do embate político e cria chances para teorias desviantes. Tudo é decido demoradamente e, e então, propício a invencionices interpretativas. Também aqui criamos uma facilidade para com a teorias da conspiração. A direita se especializou nisso, mas agora a esquerda a imita. O emburrecimento de grupos de esquerda por conta disso é bem conhecido.

Lula fez um governo democrático-neoliberal e sem qualquer rusga com o governo americano. Lula no estilo Che Guevara nunca existiu. Um Lula-Allende também não! Os americanos sempre souberam disso. A imagem de Lula como radical socialista nunca existiu senão na cabeça da extrema direita. Mas, em alguns momentos, para mobilizar setores internos do PT que funcionam antes com hormônios  que com o pensamento sério, essa imagem foi fomentada por dirigentes do PT e até mesmo pelo próprio Lula. Na cadeia, Lula se aproveitou da história do departamento de Justiça americano, que atuou junto a interesses de acionistas americanos da Petrobrás, para alimentar a fantasia de que ele estava sendo preso por ordem dos Estados Unidos. Tão falso quanto a outra bobagem, dita até por intelectuais do PT, sobre Moro como agente da CIA. Ideologia é doença.

Essas fantasias foram faladas aqui por setores da esquerda institucional e divulgadas no exterior. No estrangeiro o Brasil, não raro, é visto como algo não tão diferente de Colômbia, Peru ou mesmo Bolívia. Lugares de golpe. Então, não é difícil para a imprensa do exterior repetir as fantasias da esquerda daqui quando ela inventa golpes contra o terrível Fidel-Lula. Dado que essa imagem também é a mesma que a extrema direita faz do PT, e também passa adiante, eis que os estrangeiros tendem, então, a “ver os dois lados” e achar que descobriram a verdade. A ideia de ver os dois lados como método da verdade é pueril, mas ela conquista jornalistas no mundo todo. Jornalistas nem sempre refletem seriamente sobre metodologia de investigação.

Assim, uma vez no exterior, a fantasia de Lula como sendo um Che Guevara volta para o Brasil. E os mesmos que plantaram essa ideia, agora, lendo-a nos jornais estrangeiros, passam a acreditar nela. Contam uma mentira que, na volta, dita por outros, se transforma em verdade para eles. Oliver Stone não quer saber de nada disso, muito menos quer companhia de algo chamado verdade. O que ele quer é que vejam o filme dele, paguem pelo filme e, mais que isso, ele quer que a história faça sucesso antes mesmo do filme vir a público, para que a indústria cultural possa também ela integrar o capitalismo financeiro. Grandes companhias de entretenimento estão no mercado de ações – faz tempo!

Assim trabalha Oliver Stone e tantos outros: algo entre a fantasia e o fake News é temperado pela fome popular, americana e agora brasileira, por teorias da conspiração. É sempre muito útil ao homem popular acreditar que há algo por detrás das coisas. Ele, o homem popular, posa de inteligente para o outro, fazendo indagações sobre complôs e coisas semelhantes. O tio do pavê, tanto o de esquerda quanto o de direita, a cada reunião de família, explica para outros como tudo que vemos não é o que parece (ohhh!), que há muito mais coisa escondida que só ele sabe. O tio do pavê é o homem ideal que irá ver os filmes de Oliver Stone sobre Kennedy e Lula para alimentar sua sabedoria incomensurável, demonstrada especialmente no jantar do Natal.

Também o petista tonto vai ver a peça do Oliver Stone. Até o psolista tonto e o pedetista tonto farão o mesmo. A extrema direita também. E essa gente, lendo esse meu artigo, ainda não irá refletir sobre, e irão reiterar o que já pensam. Aqui nos comentários farão questão de se mostrar que são como o homem popular sabichão. As teorias da conspiração são encantadoras para a inteligência média, ou medíocre, e tio do pavê é o que não falta, tanto aqui quanto na América.

Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo.

Foto e capa: Oliver Stone

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