Peça para a sua parceira deixar os pelos pubianos crescerem. Com calma, em um dia um pouco frio, deixe o sol entrar pela janela e faça-o atingir esses pelos já crescidos. Com um pequeno pente, comece a penteá-los vagarosamente, sem roçar a pele. Alterne os movimentos, observe sua parceira. Namore.
Esse processo de reerotização pode ajudar a começarmos a viver novamente como humanos. Mas, só isso não basta. É necessário entender o que nos levou à falta de erotismo, à baixa libido que agora é a condição na qual vivem os jovens.
Por que temos que fazer isso? Por uma razão simples: sociedades que desconsideram seus corpos são sociedades que podem começar a não mais considerar a dor. Não sentir a dor do outro por não sentir mais nada em si mesmo é a porta aberta para a crueldade. A sindemia na qual estamos pode dizer muito disso tudo, dessa desconsideração em relação à dor do outro.
Para entender a situação de deserotização que vivemos hoje, talvez seja interessante observar as teses de Byung Chul Han a respeito do neoliberalismo. Para ele, o neoliberalismo é o campo no qual cada um de nós é incentivado a ser “o empresário de si mesmo”. Claro que não podemos ser de fato empresários de nós mesmos. Podemos trabalhar isoladamente em home office e acreditar que somos donos de nosso nariz. Mas, se acreditamos nisso, fomos engolidos pela ideologia máxima de nosso tempo, o neoliberalismo. Na verdade, estamos em sociedade vivendo o biocapitalismo. Trabalhamos 24 horas por dia em 7 dias por semana. Nosso trabalho se fundiu à nossa vida, sem mais separação entre trabalho e lazer. Somos extenuados e ao mesmo tempo a mais valia social, não mais a mais valia fabril, é o que nos é tirado. Ela não é pequena, é bem maior que a mais valia fabril.
Assim, o primeiro elemento da deserotização está posto: a extenuação. O segundo elemento decorre também da fórmula “tornar-se empresário de si mesmo”. Nessas condições, o individualismo se exacerba. Não há o Outro, no caso, o patrão. Sem o Outro, o eu não se forma como eu reflexivo, como ego que comporta um alterego. Nasce aí a personalidade narcísica. Essa personalidade, que não nasceu de conflito explícito, imagina viver em uma sociedade neoliberal em que a negação não se coloca ou simplesmente é tida como não existente. A dialética não ocorre. Ocorre só a positivização, o liso, a vida sem a rugosidade. Não se fala em luta de classes e confrontos reais. Nessa falta de negatividade, nasce a estética do liso. Ora, o liso é tomado erradamente como o harmonioso. Logo, tudo é liso para ser harmonioso. A arquitetura do vidro cresce e, com ela, a decoração que inclui o liso, o que não permite enroscos e solavancos. Byung Chul Han lembra aqui da “depilação brasileira”. Todos os pelos vão embora. Os corpos são para não serem tocados, são para serem expostos como estatuetas de museus. A digitalização é parceira aqui.
A estética do liso que é coadunável com a sociedade neoliberal nasce dessa sociedade não querer a trama social real, que inclui os conflitos em sua exacerbações. Essa estética faz parte da digitalização que advém do capitalismo financeiro, que leva todos nós a abdicarmos de nossos corpos. Nasce aí a sociedade da masturbação. O sexo ruim, que era a masturbação, torna-se o sexo normal para a juventude atual. Uma geração inteira hoje não quer o sexo, pois o sexo envolve o amor de um modo a exigir compromissos.
Uma vida com sexo e amor em unidade é uma vida plena, e nela o conflito reaparece. Ou amor ou sexo, separados, eis o ideal da juventude neoliberal. Mas, é fato, nenhuma das duas coisas ocorre, pois elas, sexo e amor, existem só como uma unidade.
Nesse sentido, a falta de libido da juventude é, também, uma falta de vitalidade em todos os sentidos. Estamos diante de uma juventude com facilidade para a obesidade. Essa juventude se auto protege: quer ficar gorda e então diz que qualquer olhar corretor sobre ela é “gordofobia”. Querem virar bolas lisas. Querem o mundo liso neoliberal. Ficam revoltados, então, quando nós, mais velhos, não queremos o centro político, mas os extremos. Pois o centro é o ideal do não confronto. Assim, a falta de libido alimenta a apatia política e esta alimenta a falta de libido. Estamos nesse processo encabeçado pela “geração Z”, mas também pela geração que hoje se aproxima dos 35 anos. Alguns desses eunucos já possuem quarenta anos!
Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo, professor e escritor
No início do século XXI, comecei a perceber a apatia da turma mais jovem. Explicava algo e induzia questionamentos. E nada. Certa vez, de tanto ver isso perguntei: vocês estão vivos? Pouco reagem. A minha esperança é a persistência.
Nessa última semana li duas matérias no uol que tratavam dessa questão (ambas abordadas na parte de saúde) e logo me veio à cabeça as abordagens que o professor já apresentou no canal. A primeira matéria falava que os jovens (millenials e zennials) estão recorrendo cada vez mais ao chamado “chemsex”, uma pratica que envolve uso de drogas cada vez mais pesadas para melhorar a performance sexual. Mas me enganei ao pensar que o sexo praticado por eles sob essas condições fosse algo pesado. Não é necessariamente assim e, para termos uma ideia do torpor desses corpos, há relatos de jovens que só conseguem tirar a roupa, tocar outro corpo (sem necessariamente penetrá-lo) e ter algum prazer, sob efeito dessas drogas. A segunda matéria falava do pouco interesse dos zennials pelo sexo. Aqui também, outros relatos absurdos, mas bastante reveladores, como o da jovem que acha 69 algo muito desconfortável, ou da outra que não suporta lambidas na orelha ou chupões no pescoço (segundo ela, forma machista de demarcar propriedade). Não ficarei surpreso se as próximas gerações tiverem “nojinho” de beijo e que o máximo de proximidade física com seus parceiros(as) seja ficar de mãos dadas. Em vez de “eu resolvi esperar” eles usarão o slogan “eu resolvi renunciar”. Isso só corrobora a ideia de que estamos vivendo a RENÚNCIA do próprio corpo, um grau bem adiantado da concretização do fetiche da mercadoria.
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