A expressão “banalização do mal” virou cliché. Ironia dos deuses. Pois Hannah Arendt a criou exatamente no âmbito da denúncia de clichés. Ela queria mostrar que Otto Adolf Eichmann não era um monstro doente ou a encarnação de Satanás, mas um burocrata bitolado a quem faltava consciência, em um sentido cognitivo e ético moral ao mesmo tempo. Incapaz de reflexão, Eichmann funcionava a partir de clichés. Hoje diríamos: funcionava a partir da tecla “autocompletar” de nossos computadores, ou de mecanismos semelhantes utilizados pelo Google para inibir nossa criatividade. Só assim podemos sempre falar uma linguagem reduzida, não metafórica, capaz do Google assimilar ao esquema binário do algoritmo – e é isso que faz da palavra uma fonte de lucro imenso para essa empresa (ver o artigo: Quando as palavras valem ouro).
Arendt foi duplamente derrotada. Pois a própria expressão “banalização do mal” é hoje falada por aqueles que insistem em descrever Hitler ou fascistas não como irreflexivos, mas como o Grande Satanás Doente. Trata-se do vício de boa parte da teledramaturgia da Globo: não existe o mal gerado por relações sociais, capitalismo e ideologia. Existe apenas o louco mor! Quando a novela produz um personagem mau, ele termina sempre em estado de insanidade. Tudo se explica por um defeito psicológico individual.
Renato Janine Ribeiro e Roberto Romano, professores de ética e filosofia política da USP e UNICAMP respectivamente, funcionam igualzinho a Rede Globo: Bolsonaro deve ser tirado do governo porque tem traços que denotam algum tipo de desvio de personalidade. É um caso patológico. Os professores de ética se psicologizaram. E o pior, sendo professores também de filosofia política, abandonaram o centro dessa disciplina. Ambos, Janine e Romano, junto de alguns juristas, entraram no STF com pedido para que o presidente da República seja avaliado do ponto de vista psicológico. As frases do documento apresentado ao STF são pérolas, e a Folha de S. Paulo (15/05/2021) reproduz algumas, para provar que o Brasil é o país da piada pronta:
” ‘Uma pessoa que pensa que a morte e a doença são banais e que a pandemia é invenção (…) necessita de séria perquirição de sua condição cognitiva, declaração de incapacidade para o exercício da liderança de um povo e de afastamento.’” // Bolsonaro “’tem-se explicitamente negado a dar mostra de qualquer empatia em relação aos mais de quatrocentos mil mortos, e milhões de adoentados, pela Covid-19’”. //“’A falta de empatia é característica de doenças mentais sérias’”. // “’Jair Bolsonaro mostra-se incapaz, vítima das armadilhas da inflexibilidade de sua configuração de personalidade, neurótica para alguns especialistas, psicótica, para outros, na falta de empatia com o sofrimento do povo brasileiro, em decorrência da pandemia.’”
E concluem: “Se confirmada essa insanidade, requerem ao STF indicar qual remédio jurídico para corrigir os prejuízos ‘para a sociedade e o próprio paciente gerados por tal fato, sem que se olvide da necessidade de afastamento, quiçá imediato’”.
Renato Janine Ribeiro é autor de um livro autobiográfico sobre a estadia dele como ministro da Educação tapa-buraco no governo Dilma. É o único livro produzido sobre o assunto em que a palavra “corrupção” não é mencionada um só momento. O livro causa vergonha alheia, em especial quando nos deparamos com os agradecimentos do autor à presidente Dilma. O mais trágico na história de Janine, enfim, nem é esse livro, mas ele ter se insurgido contra a propaganda de cerveja por apresentar mulheres – ele foi contra o nome da cerveja Devassa. Queria a censura. Ele tem pavor de um bumbum à mostra. (Identitário? Fala todos, todas e todes?). É Um professor que gosta da censura, pois também queria prender manifestantes que falassem a favor da ditadura, nas ruas de 2014. Para completar, lembro que ele, advoga junto com o deficiente cognitivo Leandro Karnal a tese de que no Brasil não podemos acusar o governo (do PT?) de corrupto, pois nosso povo, individualmente, é corrupto!
O caso do Roberto Romano não é menos esdrúxulo. Passou metade da vida difamando Marilena Chauí, levantando a mentira de que seus textos de mestrado e doutorado eram plágios! A outra metade gastou tentando fazer a mesma campanha difamatória contra Paulo Freire. Nunca vi alguém dizer que aproveitou de um texto de Roberto Romano para se tirar dali uma ideia significativa! É um tipo meio Pondé, ou seja, poço de ressentimento.
Ambos, Janine e Romano, estavam meio que sumidos da visibilidade pública. Talvez tenham aberto espaço para a aberração chamada Pondé, que virou o queridinho do pensamento irreflexivo no Brasil pré-Bolsonaro. Este, por sua vez, é rastro do terraplanista Olavo de Carvalho. Farinhas todas não do mesmo saco, mas certamente adoradores do mesmo saco. Uma esquerda incapaz de usar o cérebro sempre colabora com a direita!
O resultado é realmente este, vindo da cabecinha dessa gente: Bolsonaro não tem projeto político, é apenas um desvairado. Desconhecem o anarcocapitalismo de Bolsonaro e a sociedade montada no tripé milícia–igreja-caça-níquel–capitalismo-financeiro. Desconhecem o projeto de Bolsonaro de adotar a imunidade de rebanho, que é uma teoria falsa, mas que não é proposta com insensível, e sim como uma forma de salvar vidas – salvar a economia e a nação, mesmo que indivíduos sejam sacrificados. Muitas éticas tentam se sustentar segundo esses critérios! Incrível Janine e Romano fingirem que desconhecem tais propostas éticas!
A população brasileira tem muita gente que pensa igualzinho a Bolsonaro. Endossa o que ele fala. Pela conta de Janine e Romano, deveríamos então conduzir todas elas a exames médicos e, ao final, encarcerá-las em hospícios cuidados por eles dois? E se não se trata disso, então teríamos que ao menos destituir os seguidores de Bolsonaro de cargos executivos privados e públicos, colocando-os para fora da sociedade? Como seria formado esse tribunal de Janine-Romano para nos declarar sadios e empáticos e nos separar dos não sadios e empáticos?
Fico imaginando como eram as aulas de filosofia política de Janine e Romano! Maquiavel era apresentado segundo qual médico psiquiatra? Essa gente ainda vai acabar criando precedente para inocentar Bolsonaro. Louco é alguém inimputável.
Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo
Tanto trabalho professor, lutando diariamente e nos ensinando a refletir. Obrigado.
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