Não conheço Carlos Melo, cientista político que assina com Eugênio Bucci o artigo da Folha com o título “Não haverá terceiro nome em 2022 se Lula se fortalecer no centro” (24/03/2021). Mas Eugênio é meu amigo. Sua esposa foi editora do meu velho best seller O que é pedagogia, de 1986, na velha Brasiliense.
Eugênio sempre foi do PT. E ocupou cargos importantes na máquina petista antes de Lula e do partido serem governo e também com o partido no governo. Conhece tudo de PT. Concordo com ele que hoje, em termos de política, talvez haja mesmo confluência entre PT e PSDB. Até nos problemas né? Aécio também se complicou diante de dinheiro de empresários! Todavia, será que o bolsonarismo como inimigo comum consegue diluir as diferenças entre as plataformas econômicas do PT e do PSDB?
O neoliberalismo mitigado do PT ou neoliberalismo desenvolvimentista (alguns optaram por esse nome) é o mesmo que a plataforma privatizante de FHC, que se mostrou mais efetiva que a do Guedes? Tenho certeza que Lula é capaz de trazer para o governo qualquer economista liberal. Até Meirelles, claro, por que não? Mas tenho dúvida que ele endosse isso em campanha, no palanque. Lula se tornou um homem de meias verdades em campanhas. E na prisão, as meias verdades se tornaram francas mentiras! Ele jamais foi preso por obra de americanos que queriam a cabeça de um novo Che Guevara, e muito menos por conta de petróleo. Nem Ciro Gomes, que adoraria ver um discurso besta desses ser verdade, acreditou naquilo.
Mas o problema do artigo do Eugenio com o Melo é a parte em que eles, com palavras amenas – ao menos para o meu gosto – dizem que se Lula vai se deslocar para o centro, então isso significa abandonar o Impeachment para ver Bolsonaro sangrar. Vai jogar no projeto exclusivamente eleitoral. Isso não significa esperar 2022. O presidente só toma posse em 2023. O modo como Bucci e Melo falaram disso me soou como algo que eles mesmo aceitam! Tomara que eu tenha entendido errado!
Vários analistas americanos estão convencidos de que a Covid precisa acabar no mundo todo para poder acabar nos Estados Unidos. E a nova cepa que preocupa todos vem do Brasil. Deixar Bolsonaro no poder não é mais um problema brasileiro – e por isso banqueiros e economistas assinaram uma carta condenando a política do governo contra a sindemia. Pois essa gente respira as ordens do capital, e este não tem pátria. Como o professor Ladislau Dowbor tem insistido, estamos hoje vivendo sob o capital internacionalizado de um modo completo, e no comando temos 16 grandes transnacionais. Elas não querem que a Europa, a Ásia e o bloco Canadá-Estados Unidos permaneça em crise. Pois isso é o que o capital vê como o mundo!
Sendo assim, Bolsonaro no governo significa manter aqui um leprosário perigoso, capaz de meter mais medo no mundo do que já Wuhan conseguiu fazer no início da sindemia. Mas os chineses são os chineses, gente disciplinada. Nós não temos essa fama, e talvez muito menos essa prática.
Ver o PT abandonar o Impeachment e ao mesmo tempo notar que são os banqueiros e seus economistas que estão, ainda que indiretamente, alimentado nossas panelas contra Bolsonaro pode não significar aliança PT-PSDB, pode significar bem outra coisa. Talvez estejamos realizando o mote de campanha de Bolsonaro: “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará”. Acabaremos sofrendo assustadoramente com o Bolsovírus, e saberemos enfim qual a verdade do Brasil, dos brasileiros. Saberemos quem somos finalmente. E saberemos também, de uma vez por todas o que é o PT e quem é Lula. Tenho medo de todas essas verdades. Elas podem nos mostrar rostos monstruosos. Insuportáveis diante de nossos olhos. Será que Lula poderá virar o rosto e deixar que o reconheçamos?
Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo