Há dois modos na filosofia de se dar crédito a um enunciado qualquer. Um é o de Platão e o outro é o da prática democrática.
O de Platão implica em você se educar para ser filósofo, e então aprender a morrer ainda em vida. Deixamos as sensações de lado e, então, só com o intelecto, tentamos nos abrir para os universais. Pensamos no Homem e não em Paulo ou Maria. Pensamos na Janela e não nesta janela que vejo em meu escritório. Com a própria razão, buscamos nos banhar com a luz da perfeição do que se apresenta, na linguagem, como os universais.
A prática democrática é diferente. Expomos cada enunciado para um conjunto de homens e mulheres que vivem conosco, e observamos se eles apostam no que mostramos ou não. Avaliamos se eles são pessoas de bom senso, se tiveram boa educação, etc., e se achamos que são pessoas racionais, então tendemos a notar com certo carinho os enunciados que eles consideram certos.
Essas duas maneiras de adotar enunciados ou teorias é contestada pelo cético. O cético não duvida da verdade, mas sim do conhecimento. Para ele, como para Platão, conhecimento é “crença verdadeira justificada”. “A vacina contra a Covid pode salvar muita gente”. Eis uma frase que eu sei. Então, é um saber, um conhecimento. O cético não nega que ela seja verdadeira, mas ele desafia qualquer um a dar uma justificativa definitiva no sentido de mantê-la como um conhecimento. O filósofo platonista e o filósofo democrático estão nessa na batalha contra o cético. E já faz tempo!
Enquanto Platão não nos convence sobre a educação filosófica dele, que permite que possamos dar de cara com as formas puras ou, na linguagem medieval e renascentista, com os universais, vamos tocando o barco com o modo democrático de aceitar enunciados e teorias. Ou seja, apostamos na comunidade de pessoas nas quais vivemos, e nos ocidente colocamos para elas um critérios de corte: que sejam racionais, razoáveis, estudados etc. Formamos um “mundo”. Isso sempre resolveu o nosso problema de adotar ou não enunciados. Até o dia em que o cético, nosso adversário, saiu de lado e deixou o lugar para aquele que, como diz Bruno Latour, não construiu nenhum “mundo” junto conosco. Surgiu então aquele que podemos hoje apelidar de terraplanista ou bolsonarista ou trumpista.
Ele não está mais familiarizado com o nosso mundo. De modo que ele diz: “a vacina da Covid não serve, ela é que causa a doença”. Ou diz: “ela não cura”. Ou diz: “sou bolsonarista e Bolsonaro não usa máscara e não tomou a vacina e eu não vou tomar”. Nesse caso, entramos em um regime em que Platão, os filósofos democratas e também o céticos são depostos. Não caímos num regime de império de fake news. É diferente: entramos pela porta do inferno da pós-verdade. Proliferação de fake news não é regime de pós-verdade.
Escapar desse inferno implica em construir novamente “mundos comuns”. Trazer evangélicos e fanáticos bolsominions para o mundo público da conversação razoável novamente. Se isso não for possível, ou eles ou nós acabarão usando a força para que exista um mundo comum.
Paulo Ghiraldelli 63, filósofo 04/03/2021