Os historiadores adoram falar do “último baile do Império”. Foi na Ilha Fiscal, em nove de novembro de 1889. É uma forma de repor na história um momento melancólico para as pessoas que gostam de monarquias e privilégios de sangue. Logo depois viria o fim dos títulos de nobreza. Não são poucos os que lembram desse baile para lhe dar um sentido maior. Querem acreditar que o Brasil também viveu aquele momento francês e universal, quando os nobres europeus perceberam que a revolução viria e o que restava era se locupletar na última orgia. Não há quem não cite a frase às vezes atribuída a Madame de Pompadour: “depois de nós, o dilúvio”. Ela não estava se referindo ao fim do mundo calcado nos privilégios, que a Revolução Francesa fez explodir, mas sempre que é lembrada é posta nesse contexto. No Brasil de hoje, uma boa parte da população parece querer viver em forma de uma orgia monótona, o fim dos tempos.
O Bolsovírus derrotou o brasileiro. Ele venceu o brasileiro por meio do cansaço, do cultivo da ignorância e do terror sobre os que quiseram lutar contra ele. O Bolsovírus é Bolsonaro. Ele conseguiu fazer o país chegar a 250 mil mortos em um ano, sem que tivéssemos nos metido em qualquer Vietnã. Os Estados Unidos perderam 58 mil soldados no Vietnã, do final dos anos 50 a meados dos anos 70. Nós fomos dizimados, perdemos em um ano uma cidade do tamanha de Marília, em São Paulo! É a maior tragédia vivida pelo Brasil. Uma tragédia que tem um único culpado: o voto. Nós brasileiros somos os únicos culpados desse destino.
Todo brasileiro que reflete e vê a nossa letargia, e que nota que as máscaras estão mais nos queixos que nos rostos por culpa da propaganda de Bolsonaro, é atormentado por um pensamento que nos policiamos para não pronunciar: “Adélio foi um herói, pena que não completou o serviço”.
O Bolsovírus conta com a sua determinação de matar. Para ele, é importante que o trabalho não pare. Esse compromisso que ele tem com os empresários e, mais diretamente, com o “sujeito autômato” (Marx) que é o capital, é o que o faz permanecer no governo. O capital é relação social e ao mesmo tempo dinheiro em movimento. É feito por humanos, mas se mostra um dinamizador de coisas, como uma força incontrolável pelos próprios humanos. Esse aspecto maquinal da dinâmica do capital é que faz com que Bolsonaro, sem entender nada de filosofia ou economia, carregue em seu corpo, em suas células, tudo aquilo que podemos chamar de vontade do capitalismo. O corpo de Bolsonaro é o do Bolsovírus e sua dinâmica é a do maquinário com o qual se parece o capitalismo.
Como homem comum, Bolsonaro é atraído por máquinas. No caso dele, a arma é sua máquina preferida. A vida maquinal o fascina. A ideia de que algo pode ser engatilhado e, então, a partir daí é solto e se desempenha por si mesmo, funciona como sendo o seu espelho. Também ele adora não pensar e caminhar por espasmos maquinais. Por isso ele é afinado com o capitalismo e por isso ele serve tão bem a um tal modo de viver. Ele foi a escolha certa da FIESP. Qualquer outro, nessa situação, deixaria algum resto de empatia aparecer e estragaria tudo, poria travas na dinâmica capitalista por conta da Covid. Bolsonaro não. Exatamente por causa disso ele tem se mostrado como homem certo na hora certa.
Paulo Skaf é o presidente da FIESP e não está nem um pouco preocupado se Paulo Guedes consegue ou não cumprir a agenda de reformas. Para ele, Bolsonaro está cumprindo sua missão. Faz a máquina não parar. E faz isso sem precisar usar a força, apenas no convencimento democrático. Deixa transparecer que quem quer usar a força são os outros, os governadores que fecham o estado e não querem deixar o povo trabalhador ir trabalhar. Em nome da máxima liberdade, Bolsonaro convida todos para o último baile do Império.
Trata-se de um baile que tem a benção da ignorância cultivada ao extremo, e que coloca o Brasil nas mãos de 40 milhões de evangélicos que votam unidos, obedecendo o Bispo Macedo, Silas Malafaia e outros bandidos da Cruz. A comunidade das igrejas caça-níquel é a comunidade de Satanás, a alma desalmada da maquinaria capitalista que não pode parar. Bolsonaro a tem nas mãos, e ela o tem nas mãos. Eles se retroalimentam. “Não vamos parar”, dizem todos, “pois não podemos deixar a economia ir mal”. Nisso tudo, “a gente lamenta, mas vida segue”. Ora, que vida?
© Paulo Ghiraldelli, 63, filósofo 27/02/2021
O evangelismo apocalíptico contaminou toda a sociedade. É a procura suicida pela vida prometida (com carro, casa e mordomias capitalistas de classe média) no outro mundo.
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